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Traduções: Marie Peltier


Como o 11 de setembro pavimentou o caminho para a conspiração em grande escala


Entrevistada: Marie Peltier, historiadora

Entrevista por Benoît Zagdoun, France Télévisions


Fotografia : AFP Seth Macallister



Os atentados do 11 de setembro ainda são associados às teorias do complô que surgiram a partir daquela data. As Torres gêmeas do World Trade center não teriam caído em razão dos dois aviões que as atingiram, o Pentágono teria sido atingido por um míssil, o governo norte-americano teria deixado os terroristas agirem… Vinte anos depois, estas narrativas de complô permanecem pregnantes.


Para a historiadora Marie Peltier, o 11 de setembro marca a entrada do mundo na Era do complô. As teses conspiracionistas, que proliferam desde então nas redes sociais, são os sintomas de uma sociedade cansada de suas fraturas. Na ocasião da rememoração dos ataques, France Info entrevistou esta especialista do tema, notadamente autora de Obsession : dans les coulisses du récit complotiste (Ed. Inculte, 2018).


Franceinfo: Vinte anos depois, as teorias do complô sobre o 11 de Setembro continuam a circular. Como você explica isto?


MP: A narrativa dos atentados do 11 de setembro de 2001 foi prolífica em teorias do complô, que chegaram muito rapidamente depois do evento. Houve uma multiplicação de histórias, mas também uma massificação destas narrativas através da internet.


Estas teorias do complô tornaram-se um modelo. A cada atentado terrorista nos países ocidentais, coloca-se em ação uma narrativa alternativa que se funda sobre o mesmo esquema que aquele das teorias do 11 de setembro: a ideia de um teatro, de uma mentira de políticos e da mídia a serviço de interesses obscuros, em geral das potências ocidentais, frequentemente com um componente antissemita às vezes central, às vezes marginal.


FI:As teorias do complô não nasceram, entretanto, com o 11 de setembro…


O conspiracionismo, na sua forma estruturada ideologicamente, tal como o conhecemos hoje, é um fenômeno antigo. Vemos os panfletos conspiracionistas que pululavam na Europa no fim do século XVIII, no momento da Revolução francesa. Este movimento, muito impregnado de antissemitismo, perdura até o fim da segunda guerra mundial. Após o genocídio judeu, vários escritos complotistas, especialmente o Protocolo dos sábios de Sião, são proibidos. Até o fim do século XX, estes discursos foram marginalizados, mas não desapareceram. Estes livros continuaram a circular de maneira clandestina.


FI: Como o 11 de setembro permitiu o renascimento do conspiracionismo?


Primeiro, porque é um evento traumático. Este ataque foi um choque terrível para a opinião pública ocidental e até mundial. Ora, a conspiração é uma retórica que gira em torno do trauma. Quando experimentamos um trauma, precisamos encontrar um significado, fornecer uma explicação. É em torno desta narrativa do 11 de setembro de 2001 que as obsessões contemporâneas se cristalizam.


Além disso, o 11 de setembro veio para remobilizar uma semântica antiga. Por um lado, tínhamos o caráter “civilizacional” dado ao evento por George W. Bush e seus aliados, com essa retórica do Iluminismo atacado pelas trevas, da civilização atingida pela barbárie, do Islã percebido como uma ameaça ao Ocidente... Uma velha oposição já em ação na época das Cruzadas voltou com a luta contra o terrorismo.


A intervenção no Afeganistão, a invasão do Iraque com base em uma mentira... Toda esta sequência política causou um repúdio do público. Os cidadãos tiveram a impressão de que os políticos estavam mentindo, que a mídia estava a seu serviço - a famosa aliança que os conspiradores constantemente sublinham. A semântica anti-sistema foi reativada.


A Al-Qaeda quis atingir o Ocidente em seu coração simbólico e funcionou: os ataques causaram grande medo da perda da hegemonia ocidental. Ora, o Ocidente é assimilado a regimes democráticos, e este questionamento da dominação ocidental foi acompanhado por um questionamento da democracia.



FI: Ao mesmo tempo, é o advento da internet e o nascimento das redes sociais. Não é este o verdadeiro gatilho?


MP: No início dos anos 2000, a conspiração ainda não estava nas redes sociais, mas circulava em blogs e fóruns. As esferas conspiratórias perceberam rapidamente a oportunidade que a internet representava de divulgar suas histórias, principalmente na forma de vídeos, antes mesmo do YouTube. Pessoas como Alain Soral [ensaísta de extrema direita condenado em várias ocasiões por incitar ao ódio ou questionar crimes contra a humanidade, em particular] muito cedo fizeram vídeos em que falavam sozinhos na frente das câmeras. Eles viram o poder do formato de imagem. A Internet tornou possível deixar os textos e teses de conspiração acessíveis novamente a todos. As redes sociais têm acentuado o movimento, principalmente a partir da década de 2010.


FI: Hoje, as mesmas teorias da conspiração estão circulando em todo o mundo. Vemos isso com a pandemia da Covid-19. Com a internet, a conspiração não se globalizou?


MP: Tivemos uma tal disseminação do conspiracionismo nos últimos vinte anos que hoje até as pessoas que não estão imersas nestes discursos são capazes de se apropriar da grade de leitura conspiratória e aplicá-la a qualquer evento. Vemos isso com a pandemia Covid-19. Nem mesmo precisamos mais de ideólogos conspiratórios.


Esta trama narrativa - segundo o qual as autoridades e a mídia estão a serviço de interesses ocultos, mentindo e manipulando as pessoas - pode ser aplicada a todas as situações. Esta narrativa global já estava em ação nos escritos do século XVIII e no século XX, nos textos fascistas. Portanto, é algo ancorado nos imaginários, inconscientemente, desde muito tempo.


FI: Nos últimos vinte anos, a exploração política das teorias da conspiração também não se intensificou?


MP: Esquecemos disso durante muito tempo, mas a conspiração é uma arma para levar forças reacionárias, até mesmo fascistas, ao poder. Não é, como muitos pensam, uma arma de resistência. Essa é uma das grandes iscas da postura conspiratória.


Historicamente, o repertório conspiratório que se desenvolveu contra a Revolução Francesa ou a Revolução Russa produziu discursos que visavam desacreditar os movimentos de emancipação democrática e fortalecer os poderes reacionários. A ideologia nazista foi nutrida pelos Protocolos dos Sábios de Sião e levou à ascensão de Hitler ao poder.


Hoje, testemunhamos uma banalização da conspiração. Temos políticos que não são ou que não se consideram reacionários ou fascistas, mas que aproveitam essa onda. Já era o caso durante as eleições presidenciais de 2017. Havia elementos de discurso conspiratório em Jean-Luc Mélenchon e Marine Le Pen. Havia também alguns em François Fillon, quando falava da “conspiração dos juízes”. Havia até em Emmanuel Macron, que se apresentava como o candidato anti-sistema.


FI: Qual você acha que é o principal perigo da conspiração?


A conspiração reprova a democracia por supostas falhas de caráter ditatorial. Ela ataca as instituições democráticas dizendo que mentem, que manipulam... Aqueles que se manifestam com o grito de "liberdade" contra Emmanuel Macron, que denunciam a "censura" e a "ditadura da saúde" também reivindicam os grandes princípios democráticos. Eles se consideram democratas, revolucionários, lutadores da resistência, estão persuadidos de que atacam uma lógica ditatorial.


Hoje, muitas pessoas que se dizem anti-sistema questionam a democracia, de fato, e também frequentemente apoiam regimes autoritários, como o de Vladimir Putin na Rússia. Eles equiparam a democracia liberal, por mais imperfeita que seja, a uma ditadura, o que não é correto. É pernicioso. Houve uma inversão de valores nos últimos vinte anos. Com o tempo, essa forma de pensar se espalhou na sociedade, este está cada vez mais desinibida.


FI: Como podemos lutar contra o conspiracionismo?


MP: A conspiração é uma maneira ruim de fazer perguntas. A dúvida está equivocada. O conspirador pensa que duvida, mas na realidade já tem sua história, seu postulado dado. Os conspiradores do 11 de setembro já estão convencidos de uma encenação. A partir daí, eles vão questionar tudo o que é dito e procurar corroborar sua visão por todos os meios possíveis.


Para não entrar na banalização desta conspiração, devemos lutar concretamente. Há a luta no dia a dia, tanto pela “averiguação” e pela “desmistificação”, mas, também, pela denúncia da ideologia que está por trás deste tipo de discurso.


Devemos também tentar recriar a confiança. Há muito a ser feito por políticos, jornalistas, todas as profissões de "autoridade". Você tem que ir para o campo, conhecer pessoas, sair do mundo digital. Devemos recriar o vínculo social.


Não conseguiremos convencer as pessoas que aderem a esta ideologia com soluções fáceis, porque já não acreditam em nós. Isso nos força a rever nossa própria relação com o mundo.


A entrada no século XXI é o declínio das grandes ideologias. O "nunca mais", que tinha nos estruturado desde o fim da Segunda Guerra Mundial, está desaparecendo. Não sabemos mais em que nos apoiar para ter algo que nos conecte como sociedade. É difícil falar sobre o que está acontecendo conosco com a mesma linguagem de antes. A Covid-19 mostrou-nos, infelizmente. Diante dessa falta de projetos políticos estimulantes, surge um apelo ao vazio.



Entrevista original pode ser acessada no link: GRAND ENTRETIEN. Comment le 11-Septembre a ouvert la voie au complotisme à grande échelle

Publicada em: 12/09/2021


Tradução: Gabriela Mitidieri, editora da revista Mulheres do fim do mundo.

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