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Traduções: A surpreendente eleição no Peru revela profundas divisões digitais

Atualizado: 24 de abr. de 2021



Reportagem feita pela jornalista peruana, Jimena Ledgard*, e publicada em: https://restofworld.org/2021/eleccion-peru-redes-sociales/



Os peruanos das zonas rurais não estão desconectados, simplesmente estão fora da bolha limenha.


Imagem reproduzida na publicação original. Referência: Lalo de Almeida/Folhapress/Pan​os/Redux

Quando a CNN anunciou os resultados do 1º turno das eleições presidenciais no Peru em 11 de abril, a imagem que usaram foi chamativa. Ou melhor, a que não usaram. A foto escolhida do claro vencedor, Pedro Castillo do Partido Peru Libre, foi de uma silhueta obscura.


A omissão não pode ser explicada unicamente como um caso de estrangeiros que não entendiam uma eleição latino-americana; os próprios meios de comunicação peruanos pareciam igualmente desinformados a respeito do homem que terminou recebendo quase um em cada cinco votos. Apenas uma semana depois das eleições muitas pesquisas o colocavam em sétimo lugar em intenção de voto entre 18 presidenciáveis.


Desde a eleição Castillo tem sido descrito por muitos como a voz do “Peru profundo e não escutado”, um conceito que tende a irritar muitos peruanos fora de Lima.


Em consequência do surpreendente resultado do domingo, esta lógica levou os comentaristas limenhos a declarar que “o Peru sem internet falou”, oferecendo assim uma explicação conveniente frente a inesperada vitória. Contudo, uma conversa com simpatizantes de Castillo das áreas rurais e da classe trabalhadora revela uma história mais complexa. Não é que eles estejam desconectados, mas que se movem em uma câmara de eco virtual distinta.


Ingred Montoya, uma professora de 35 anos de São Jerónimo, um povoado rural da região andina de Andahuaylas, zomba desse estereótipo que chega desde Lima. “Como todo mundo no Peru, nós temos redes sociais! Além do mais, durante a pandemia temos falado com nossos pais por WhatsApp”. Ela soube da candidatura de Castillo pelo Facebook, em um dos grupos regionais que pertence. “Não sei o que a imprensa vai fazer. Onde estarão? Como dizem que não estamos na rede? Sim! Meu facebook está bombando”.

A falta de inclusão digital que afeta o Peru mais rural e empobrecido é real, mas até um ponto. O país tem uma ampla brecha digital. Ainda que 62% dos lares em Lima tenham acesso à internet, nas áreas rurais a porcentagem cai para 6%. Castillo venceu por uma ampla margem nesse último setor. Na capital ficou em quinto.


Líder sindical de 51 anos, ex-professor de escola pública e autodenominado marxista, Castillo faz campanha com estilo claramente pré-digital. No transcorrer do 1º turno privilegiou intencionalmente os meios de comunicação comunitários, em sua maioria estações de rádio locais e compareceu para votar a cavalo.


Tendo permanecido abaixo do radar por tanto tempo, a conta de Castillo no Twitter ainda tinha menos de 8.000 seguidores até a data da presente reportagem (14 de abril). De acordo com a BBC, ele tinha apenas 3.000 fãs no dia da eleição, tendo entrado na plataforma apenas em fevereiro de 2021. Em contraste, Keiko Fujimori, que Castillo enfrentará no segundo turno em junho, tem 1 milhão de seguidores. O candidato do Peru Livre ainda não tem uma página verificada no Facebook e não parece ter uma conta no Instagram.


Franco Pomalaya, um jovem limenho de 28 anos, parte do grupo de campanha de Castillo, disse à Rest of World que ri quando escuta os especialistas afirmarem que havia algo de inovador e pouco usual em sua estratégia.


“Nossa campanha foi muito básica: assim como os políticos têm feito campanhas por décadas. O que tem de especial? “Ele considera que o alcance real das redes sociais tem sido exagerado no Peru. “As pessoas falam de números, porcentagens, mas nunca da qualidade da rede. Um lar pode ter acesso a internet, mas se ela está lenta ou é de má qualidade não vão usá-la”.


Nem Castillo, nem seu partido tiveram uma estratégia afinada com as redes sociais. Sebastian Reyes, um dos representantes legais do Peru Livre, é rápido em apontar que sua presença digital segue sendo um dos pontos mais frágeis de sua campanha. “sim, estou sendo completamente honesto”, disse Reyes à Rest of World, "não temos certeza de como colocar a marca azul de verificação ao lado do nome do candidato. Mas, na verdade, queremos.”


A falta de canais oficiais do Peru Livre nas redes sociais tem levado a certas confusões. Representantes da campanha confirmaram recentemente, após as eleições, qual das contas do Twitter em nome de Castillo era a verdadeira. Antes disso, a mídia havia citado contas não oficiais como se essas representassem a linha do partido.


Marco Antonio Paz Olivares, eleitor de Castillo de 29 anos e residente de um assentamento em Catacaos, uma região ao norte de Piura, não considera que isso seja um problema. Está convencido de que seu candidato ganhou graças ao trabalho real do seu candidato, em vez de apostar em novas tecnologias. A ênfase excessiva que se coloca nas redes sociais, segundo ele, é um erro muitas vezes cometido pelos limenhos.


“Eu venho de um assentamento, sem água corrente, muito menos acesso a internet”, disse Paz Olivares à Rest of World. “Castillo se deu ao trabalho de ir de porta em porta, de povoado a povoado, chegando aos lugares que nenhum candidato quis visitar. E não passou acenando em uma caminhonete, mas falou de verdade com as pessoas, aquelas a quem não chega a publicidade das redes sociais”.


As plataformas virtuais provavelmente cumpram um papel mais importante no segundo turno, mas a falta de uma estratégia digital organizada do candidato do Peru Livre não significa que não mobilize as massas online.


Faz apenas uma semana que todo mundo parecia indicar que Verónika Mendoza, candidata com forte apoio nas zonas urbanas e entre eleitores com ensino superior, era o nome mais forte da esquerda. Seus seguidores, apelidados de verolovers por alguns comentaristas, mostravam-se extremamente ativos nas redes sociais. Além disso, as interações virtuais relacionadas a Mendoza eram as mais positivas entre todos os candidatos, uma medida usualmente vista como chave por pesquisadores e comentaristas políticos.


No entanto, uma vista no Google Trends mostra que, inclusive antes que as pesquisas registrassem um maior interesse na Candidatura de Castillo, já se estava googleando mais a ele que a Mendoza.


Alguns jovens das zonas rurais peruanas desafiam ainda mais o estereótipo de que suas regiões estão fundamentalmente desconectadas. A hashtag #PedroCastilloPresidente [1] tem mais de 7.7 milhões de views no TikTok, com muitos de seus criadores das áreas rurais dos Andes. E ainda que Castillo não tenha uma página validada no Facebook, dezenas de grupos nesta rede social têm aparecido organicamente para expressar seu apoio ao candidato.


Grupos como Pedro Castillo no 2º turno, Todos com Pedro Castillo Presidente ou Pedro Castillo “Presidente dos Pobres”[2], entre outras, tem cada uma dezenas de milhares de membros extremamente ativos, que compartilham memes e participam de discussões políticas.


Os grupos regionais também são particularmente ativos, algo que a campanha reconheceu desde o começo. “Cada região tem seus interesses próprios e nosso enfoque é descentralizar a política. Por isso deixamos que as regiões falem por si mesmas. Isso inclui estratégias de comunicação. Damos algumas pautas aos seguidores de cada lugar, mas deixamos que eles façam seus próprios spots” conta Pomalaya a Rest of World.


Como aconteceu no Brasil durante as eleições presidenciais de 2018, o uso de espaços virtuais privados tornou o segmento digital mais difícil. Para aqueles que não souberam onde buscar poderia ser particularmente complicado notar o interesse crescente ao redor de Castillo


Agora, à medida que sua campanha tenta conquistar novos eleitores nos próximos meses, sua presença online certamente será maior, especialmente para alcançar eleitores jovens e urbanos. "Sabemos que teremos que mudar a maneira como fazemos as coisas", reconhece Pomalaya. "Para começar, vamos contratar alguém que veja as mídias sociais."




*Jimena Ledgard mora em Lima, Peru, onde apresenta o Estación Ciudad, um podcast documentário sobre poder e políticas urbanas. Ela trabalhou com a Vice e a Deutsche Welle. Recentemente, ela recebeu o Fundo IWMF para Mulheres Jornalistas e uma bolsa da Fundación Gabo para o Fundo de Jornalismo Investigativo de Novas Narrativas sobre Drogas (FINND), para desenvolver um podcast com histórias de pessoas envolvidas no comércio de cocaína no vale do VRAEM, no Peru. [3]


Tradução e notas: Flavia Veras

Revisão: Sheila Lopes Leal Gonçalves


[1] https://www.tiktok.com/tag/pedrocastillopresidente?is_copy_url=1&is_from_webapp=v1&lang=en

[2] https://www.facebook.com/groups/717197822237641/; https://www.facebook.com/groups/425168475279894/; https://www.facebook.com/groups/426825595255748/

[3] https://restofworld.org/author/jimena-ledgard/












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