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Tradução 2: Skunk [1]: outra arma israelense para punição coletiva


As forças israelenses estão usando uma arma de "controle de multidões" com a qual punem coletivamente os civis palestinos por se atreverem a protestar.


Yara Hawari*


Em Nazaré, Haifa, Ramallah, Jerusalém e em outras localidades, palestinos têm se manifestado contra a contínua limpeza étnica nas mãos do regime israelense. Motivados e inspirados pela inabalável resistência das famílias palestinas que enfrentam despejos a força de suas casas no bairro do Sheik Jarrah em Jerusalém, eles tomaram corajosamente as ruas - corajosamente porque o fazem sabendo que o que os espera é uma brutal repressão por parte do exército e da polícia israelense.


De fato, no complexo de Al-Aqsa, onde ocorreu grande parte da violência contra manifestantes, os palestinos receberam tiros e bombas de gás lacrimogêneo enquanto rezavam. Mais ao sul, Israel lançou ataques aéreos em Gaza, atingindo edifícios civis e matando mais de 40 pessoas, incluindo pelo menos 14 crianças.


Para além dos mortos, centenas foram feridos por balas de borracha e letais, gás lacrimogêneo e espancamentos, mas também por uma arma que é menos conhecida da mídia global que cobre os protestos. Muitos se referiram erroneamente a ela como canhão de água ou um caminhão de esgoto [2].


Em árabe, chamamos de "kharara" - literalmente "o cagador" [3] - por seu cheiro pútrido. Em inglês, ela é chamada de skunk water, em referência ao cheiro notoriamente horrível liberado pelos gambás. A skunk water foi desenvolvida como uma "arma de controle de multidões" por uma empresa israelense chamada Odortec.


A skunk water é um composto líquido com um odor avassalador que foi descrito por aqueles que a experimentaram como o cheiro de esgoto misturado com cadáveres em decomposição. Na realidade, é uma mistura de produtos químicos que causa náusea intensa, obstruindo a respiração normal, provoca violentos engasgos e vômitos. O documento de segurança da empresa também indica que ela pode causar irritação da pele, dor ocular e abdominal. Os palestinos também relataram que ela causa queda de cabelo.


Skunk water sendo atirada. Foto: Reuters/Ammar Awad

As forças de segurança que utilizam skunk water afirmam que ela não é letal e não é tóxica. No entanto, doses altas podem ter um efeito letal e, quando disparada de um canhão de água, é pulverizada a uma pressão extremamente alta, o que pode causar ferimentos graves.


Mesmo uma pequena borrifada de skunk water deixa um mau cheiro na pele durante dias. Nas roupas e nos edifícios, o fedor pode durar ainda mais.


É claro que as forças israelenses não a utilizam somente para reprimir os protestos, mas também para castigos coletivos. Caminhões de skunk water passam por bairros palestinos pulverizando edifícios em retaliação aos moradores locais que protestam contra a ocupação israelense e o apartheid [4].


Como resultado, as empresas têm que fechar por dias e as famílias têm que deixar suas casas por longos períodos até que o odor desapareça. Isto é o que faz dela uma ferramenta de punição coletiva brutal.


Além de vender skunk water ao governo israelense para usar nos palestinos, a Odortec também a exporta. Nos Estados Unidos, ela é fornecida pela empresa Mistral Security, que recomenda seu uso em "postos de fronteira, instalações correcionais, demonstrações e sit-ins [5]". Vários departamentos policiais já a compraram, inclusive o de Ferguson, Missouri, após os protestos de 2015 contra a brutalidade policial e o racismo institucional.


O fato de que esta arma desenvolvida por uma empresa israelense está ganhando popularidade no exterior não surpreende. Israel é o maior exportador per capita de armas do mundo e usa os palestinos como cobaias para demonstrar sua "eficácia" e sua "mortandade". A Odortec e outros fabricantes de armas israelenses não precisam sequer investir na comercialização de suas armas; os canais de notícias que divulgam filmagens de ataques brutais do exército israelense fazem o trabalho por eles.


As empresas israelenses que produzem armas para matar em massa têm Gaza para testá-las. Os israelenses até chamaram a faixa densamente povoada, onde os civis não são protegidos por uma "cúpula de ferro" [6] ou abrigos militares sofisticados, de "galinha dos ovos de ouro" [7]. O horrendo resultado de décadas de práticas de "testes" das empresas de armas israelenses tem sido a morte e mutilação de milhares de palestinos.


Israel exporta armas testadas em civis palestinos para cerca de 130 países, inclusive para governos com registros horríveis de direitos humanos. Para as pessoas desses países, que se encontram na ponta final da agressão das forças locais usando armas israelenses, os palestinos têm muitos conselhos.


Especificamente para lidar com o "kharara", recomendamos o seguinte: se pegar na sua pele, esfregue tomate e azeite de oliva para ajudar a tirar o cheiro; se pegar em suas roupas, jogue fora. No geral, é melhor evitar ser atingido a todo custo.


Para lidar com os efeitos psicológicos da repressão violenta e do castigo coletivo, os palestinos também têm uma recomendação: humor ácido. O "kharara" já figura de forma proeminente nas piadas palestinas. Uma delas é: o que você prefere enfrentar - tiros ou "kharara"?



*Yara Hawari é doutora, escritora e analista política sênior da Al Shabaka. Além de seu trabalho acadêmico focado em estudos indígenas e história oral, ela também é uma comentarista política que escreve para vários meios de comunicação, incluindo The Guardian, Foreign Policy e Al Jazeera English. Ela frequentemente documenta e relata abusos cometidos pelas forças de ocupação israelenses na Palestina.

twitter: @yarahawari

Info da bio: https://www.frontlinedefenders.org/en/profile/yara-hawari


Tradução: Sheila Lopes Leal Gonçalves, professora doutora em história e editora da revista Muheres do Fim do Mundo.


Notas da tradutora:

[1] Nota da tradutora: conforme explica Yara Hawari, a palavra “skunk” do título se refere a um composto químico que tem sido usado como arma pelas forças armadas israelenses, muitas vezes chamado de “dirty water” ou “skunk water” - a expressão é mantida no original ao longo desta tradução. Já em 2014 a jornalista e correspondente internacional do jornal Le Monde, Florence Beaugé, denunciava seu uso contra os palestinos. Para maiores informações ver: https://www.bbc.com/news/magazine-34227609 e também o texto de Ana Echevenguá sobre a escassez de recursos hidráulicos na Palestina: https://www.ecodebate.com.br/2011/09/09/a-agua-como-arma-de-guerra-artigo-de-ana-echevengua/

[2] No original, “sewage truck”.

[3] No original, “the shitter”.

[4] Para se aprofundar um pouco mais nas discussões sobre o uso de apartheid no contexto palestino, recomendo o trabalho da Havana Alícia (em especial o terceiro capítulo): MARINHO, Havana Alícia de Moraes Pimentel. Ocupação israelense na Palestina: colonialidade, geopolítica e violações de direitos. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Economia, Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional, 2015. E também o artigo: BARKAY, Rafaela. Nenhuma mulher será livre até que todas as mulheres sejam livres: um olhar sobre o conflito israelense-palestino sob o prisma feminista. Rev. psicol. polít., São Paulo , v. 16, n. 35, p. 53-70, abr. 2016 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2016000100004&lng=pt&nrm=iso>

[5] Os “sit-ins” são protestos não violentos que ocorrem sobre a forma de ocupação de determinado espaço no intuito de chamar atenção para demandas específicas. Para maiores informações, ver: https://kinginstitute.stanford.edu/encyclopedia/sit-ins

[6] No original, “Iron Dome”. Trata-se do sistema de defesa antiaérea israelense.

[7] No original, “cash cow”.


Texto original publicado em 12 de maio de 2021 e pode ser acessado aqui: https://www.aljazeera.com/opinions/2021/5/12/the-skunk-another-israeli-weapon-for-collective-punishment


Imagem de capa: Prédio derrubado por ataque israelense em Gaza / AFP , acesso em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57069211





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