Por Flavia Veras*

"Para a maioria dos comentaristas da época, Itália Fausta foi a grande dama do teatro brasileiro da sua época, e um dos mais generosos temperamentos trágicos que o nosso teatro já teve, capaz de interpretar com êxito alguns dos grandes papéis que consagraram Eleonora Duse e Sarah Bernhardt. O marasmo em que o teatro brasileiro se encontrava durante o auge de sua carreira, o predomínio de um repertório medíocre, do qual só poucas vezes ela conseguiu fugir, e a virtual ausência de diretores dispostos a abrir caminhos rumo à modernidade cênica impediram-na de concretizar plenamente as potencialidades de excepcional trajetória de intérprete a que a sua privilegiada inteligência, sensibilidade, cultura e abertura para o novo a teriam predestinado numa época mais recente. Mas o seu prestígio de atriz conferiu-lhe uma ascendência sobre seus colegas mais jovens e sobre a opinião pública, de que ela se serviu sistematicamente, através de lúcidos depoimentos públicos, entrevistas, etc., preconizando a necessidade da criação de um teatro diferente daquele que o panorama em que viveu a condicionou, na maioria das vezes, a fazer" MICHALSKI, Yan.
Fausta Polloni é o nome de registro da talentosa atriz de família italiana, Itália Fausta. Nascida em São Paulo em 1878, foi uma grande artista tanto por seu trabalho no processo de renovação do teatro brasileiro, quanto por seu papel de militante anarquista e líder sindical da Casa dos Artistas, tendo feito importantes contribuições na luta pelos direitos das mulheres do teatro.
Ela começou sua carreira ainda criança como artista amadora em São Paulo, mas ganhou espaço e o gosto do público a ponto de ser reconhecida como uma dama do teatro brasileiro. Contudo, a carreira profissional iniciou efetivamente em 1906 quando excursionou pelo Brasil em companhia de artistas portugueses, inclusive, indo para Lisboa em 1913.
Voltou para o Brasil no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1917), da qual o Brasil participou após ter navios mercantes bombardeados. Para driblar os problemas econômicos e as dificuldades de fazer teatro no contexto da pandemia de gripe espanhola em 1918 criou-se o Teatro da Natureza, que consistia na encenação de peças ao ar livre. Eram realizadas no Campo de Santana e criou empregos para os artistas, que viviam momentos difíceis devido à conjuntura histórica.
No primeiro quarto do século XX, em parte devido à forte influência italiana, se destacou como atriz em um contexto que se falava em “fundar o teatro nacional”, ao mesmo tempo em que se buscavam referências estrangeiras. Itália Fausta, em um período de pouco financiamento público para a área cultural, protagonizou a importante Companhia Dramática do Estado de São Paulo, com incentivo do Conservatório Dramático de São Paulo. Em 1917, fez uma turnê ao Rio de Janeiro com o drama “Ré Misteriosa”, que de tão exitosa fez com que a atriz permanecesse definitivamente na então capital, com a “Companhia Dramática Nacional”, posteriormente chamada de Companhia Itália Fausta.
Itália Fausta também se dedicou ao teatro operário nos anos 1910-1920. De cunho notadamente anarquista, por vezes se confundiu com as revistas, por fazer críticas sociais, explorando a nudez e os temas do cotidiano. Estas peças utilizavam as técnicas habituais do teatro como a apoteose, as danças e as músicas para colocar os temas que desejavam tratar:
O teatro foi escolhido para a pregação e difusão de um ideário social de libertação, às vezes anticlerical, que de um lado, pelo caráter político de suas atividades teatrais; e de outro pela simples busca do conhecimento, fez o operariado refletir sobre manifestações populares e descobrir problemas básicos de sua existência de classe (CABRAL, 2008, 77 – 84).
No sentido da construção do teatro moderno brasileiro, Itália Fausta participou de iniciativas como o Teatro de Brinquedo, de Eugênia e Álvaro Moreira, nos anos 1920, e do Teatro do Estudante do Brasil (TEB), de Pascoal Carlos Magno, nos anos 1930. Também trabalhou com personalidades reconhecidas do teatro moderno como Maria Della Costa e Ziembinski.
Itália Fausta conectou a luta pelo teatro com suas expectativas por uma sociedade mais justa. Ela ocupou o cargo de presidenta da Casa dos Artistas, o sindicato dos artistas, entre 1935 e 1936. A questão da mulher artista foi levantada com muito vigor como ficou registrado no Anuário Teatral da Casa dos Artistas, em 1938. Como ex-presidente ela assinou a matéria “A vida da mulher que trabalha em teatro” tratando sobre a mulher artista, na qual discute os desafios da profissão e as intercessões entre o trabalho doméstico, o teatro e a criação dos filhos. Essa matéria também versava sobre a necessidade de toda a companhia ser equipada com um guarda-roupa que possibilitasse as artistas de não terem gastos incompatíveis com seus cachês na compra de roupas para atuação.
A mulher de teatro trabalha mais de oito horas por dia, sempre mais que em qualquer outra profissão. Em geral ensaia de uma às cinco. Volta para o teatro às sete horas, trabalha até meia noite e, muitas vezes, ensaia até a madrugada. Aos domingos e feriados, enquanto os demais profissionais descansam, ela trabalha, e se os diaristas recebem seus honorários dobrados, os artistas trabalham de graça, sem pagamento algum pelas horas extras de serviço. Em teatro ninguém goza das regalias da lei de férias... Por enquanto, as leis trabalhistas têm trazido muito pouco benefício à gente de teatro. Requer, talvez, fiscalização melhor, outra regulamentação. Um dos problemas difíceis para a mulher é seu vestuário. Não se suporta mais uma atriz modestamente vestida. A artista, com encargo de família, não pode representar certas peças por falta de roupas caras. Os contratos deveriam fixar um terço do ordenado para a compra de roupas, correndo o excedente por conta das empresas. Quando existirem em todo Brasil teatros populares, funcionando regularmente com companhias nacionais, estará resolvido o problema do teatro nacional. Então, em todas as classes surgirão elementos artísticos e ser atriz deixará de ser uma profissão singular para tornar-se uma profissão comum, acessível a todas as mulheres que se sentirem atraídas pela mais bela e mais humana de todas as artes. (Itália Fausta, 1938)
No final da década de 1940 confrontou o empresário Vital de Castro contra sua intenção de transformar o Teatro Fênix em um cinema. Essa era uma prática comum, tendo em vista as dificuldades de arregimentar o público teatral, mas que afetava diretamente as companhias teatrais e os artistas. Ela convocou os artistas a ocupar os camarins com cama e mesa, o que foi um escândalo, mas garantiu a permanência da companhia em atividade e o funcionamento (como teatro) do Teatro Fênix.
Com uma vida de muitas lutas, projetos, sonhos e criatividade, após uma turnê pelo norte do Brasil em 1951, Itália Fausta morreu em sua casa em Santa Teresa no Rio de Janeiro, aos 73 anos, deixando uma contribuição enorme para o estudo da história do teatro no Brasil.
Saiba Mais
Anuário da Casa dos Artistas (RJ), 1937. “Casa dos Artistas a sua fundação”. Disponível no arquivo da Biblioteca Nacional.
Anuário da Casa dos Artistas (RJ), 1938. “A vida da mulher que trabalha em teatro” por Itália Fausta. Disponível no arquivo da Biblioteca Nacional.
CABRAL, Michelle Nascimento. Teatro Anarquista, Futebol e Propaganda: tensões e contradições no âmbito do lazer. Rio de Janeiro, 2008. Dissertação (Mestrado em História) Universidade Federal do Rio de Janeiro.
MICHALSKI, Yan. Itália Fausta. In:_________. PEQUENA Enciclopédia do Teatro Brasileiro Contemporâneo. Material inédito, elaborado em projeto para o CNPq. Rio de Janeiro, 1989.
VERAS, Flavia. Tablado e Palanque – A formação da categoria profissional dos artistas no Rio de Janeiro (1918 – 1945). Saarbrücken: Novas Edições acadêmicas, 2014.
VERAS, Flavia. “Fábricas da Alegria”: o mercado de diversões e a organização do trabalho artístico no Rio de Janeiro e Buenos Aires (1918 – 1945). Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) – FGV – Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2017.
Imagem: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa349575/italia-fausta
*Flavia Veras é editora da Revista MFM, membro do LEHMT-UFRJ e professora de ensino básico.