top of page

Mãos Livres



TODO MUNDO TEM UM KINDLE, MENOS EU E MEG RYAN


Lorena Grisi*


A COVID-19 deu origem a um novo tipo social: a louca dos cursos on-line. Aqui estou, louca dos cursos, aprendendo sobre literatura, arquitetura e cozinha vegana. E depois de muitas horas-aula, tenho algumas conclusões sobre o que une as loucas dos cursos on-line: todo mundo tem um Kindle. Todo mundo, menos eu.

Eu cogitei comprar um Kindle e, para isso, consultei os amigos que já se renderam a ele. O primeiro que procurei foi um professor de literatura moderninho e viciado em gadgets. Ele me explicou que o produto tem lá suas vantagens, mas que a compradora fica refém de adquirir livros no Amazon. Parei por aí a primeira fase da pesquisa. Refém do Amazon, não dá. A segunda amiga que busquei, também professora de literatura, falou que o Kindle é excelente, porque se pode comprar o livro digital pela internet sem precisar esperar que ele seja entregue dias depois, pelos Correios. Esse argumento achei muito bom. Veio, então, a terceira amiga, profissional da economia criativa, descolada, que disse: você pode comprar só o Kindle no Amazon. Os livros que você não conseguir em livrarias pequenas, você consegue tudo pirata. Ainda não comprei, mas não posso negar que esse é um motivo convincente.

Eu não tenho fetiche com livro físico. Quem tem apego a livro físico é quem nunca se mudou de casa vinte vezes ou nunca morou em apartamento de vinte metros quadrados onde não cabia mais nenhuma prateleira. Eu não tenho Kindle porque foi o jeito que encontrei de me vingar de Jeff Bezos por ter contribuído para a falência das pequenas livrarias. É minha forma de militância. Há poucos meses, ouvi uma notícia que aqueceu meu coração: um rapaz chamado Elon Musk, dono da Tesla, ultrapassou Bill Gates na riqueza e agora é o segundo maior bilionário do mundo. Eu sabia o que era Tesla? Não. Precisei ir ao Google para aprender que é uma indústria sul-africana de carros elétricos. O coração ficou quentinho porque agora vejo chances de Musk ultrapassar Bezos, primeiro colocado da lista dos bilhões. Comemorei em silêncio essa vitória de Elon, com o espírito de uma líder de torcida.

Em 1998, a diretora Nora Ephron lançou um filme chamado Mensagem para você, em que Meg Ryan interpreta a dona de uma livraria de bairro ameaçada pela inauguração, em frente à sua, de uma mega livraria pertencente ao personagem de Tom Hanks. A discussão do filme era sobre como as grandes livrarias estavam devorando as livrarias pequenas. Mentira, era sobre Tom Hanks se apaixonando por Meg Ryan, mas no fundo havia uma conversa sobre livreiros opressores e livreiros oprimidos. Que saudade do marxismo cultural dos anos 90.

Data dessa época, portanto, meu dilema com o Kindle, que só seria inventado em 2007. Já são treze anos de dúvida entre manter meu compromisso com a lojinha de Meg Ryan, essa heroína do campo literário, e deixar Tom Hanks, ops, Jeff Bezos, na frente de Elon Musk na lista da Bloomberg. Por enquanto, e considerando que não tenho perspectiva de mudança deste apartamento onde ainda cabem prateleiras, eu, sem Kindle, vou contribuindo só com a fortuna de bilionários da indústria de papel.


*Lorena Grisi - nasceu em Salvador, em 9 de outubro de 1981. Exercícios físicos (2021) é seu primeiro livro, parte do projeto Bahia na poesia, publicado pela Paralelo 13s (Lei Aldir Blanc). Tem textos publicados na coleção Literatura de circunstância (EdUFRR), no caderno digital onde caber (Itaú Cultural), nas coletâneas Hilstianas vol. 1 (Editora Patuá/Instituto Hilda Hilst), Antologia Ruínas (Editora Patuá), Terra, fogo, água, ar: coletânea lírica (Edufba), Mulherio das Letras Portugal (Editora In-Finita) e Parem as máquinas! (Selo Off Flip).



SOLIDÃO TEM HORA


Maria Helena Miranda*


Por volta das 9 da noite

Cai, brutalmente, e com todo seu peso, a solidão.

E é o deserto, o abandono.

Vontade de acordar o filho

E pedir colo.

Não posso...

Vontade de despertar (para a vida).

Não sei...

E é a morte.

E é o ressuscitar às 6 da manhã

Para um novo dia

Até que cheguem às 9 da noite.


Setembro de 1993


*Maria Helena Miranda - Quase 66 anos, aposentada (não da vida), apesar de tudo, insistindo na esperança.


O PENSAR


Meire Martins*

O mundo todo é um belo pensamento! O mundo todo é um triste pensamento, O mundo belo só existe se existir em pensamento O pensamento cria, recria, constrói ou destrói O pensamento dá sentido à todas as coisas, O pensamento tira o sentido de todas as coisas O mundo todo é encantado

aos olhos de quem ver, O mundo todo é um desencanto pra quem assim o ver O pensamento constrói um mundo feliz, O pensamento destrói o mundo feliz, O pensamento vai

e reconstrói o mundo destruído O paraíso é triste e frio

pra quem assim o ver O deserto pode ser um lindo paraíso

aos olhos de quem ver O pensamento constrói a felicidade O pensamento cria a tristeza O pensamento vai,

destrói a tristeza e recria a felicidade Tudo é possível no pensar

Tudo é impossível

pra quem não acreditar O mundo todo

é um lindo pensamento divino Perceba de forma positiva

o mundo ao seu redor, Tenha planos e metas

que o seu pensamento deseje

o bastante para realizá-los Pense positivo e aja Construa o seu mundo feliz.


*Meire Martins - nasceu em 03 de junho 1982, na cidade de Guaraciaba do Norte, Ceará. Filha de professora e agricultor, ajudava na lavoura quando criança, mas queria mesmo era ser professora como a mãe. Ainda com 16 anos, começou a lecionar através do projeto Alfabetização Solidária. Nos anos seguintes, já com formação para o exercício do magistério (normal), trabalhou no ensino infantil e primeiras séries do fundamental na escola municipal do sítio onde morava. Em 2005, concluiu o curso de Licenciatura Plena em História e Geografia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral (CE). No mesmo ano, mudou-se para o Rio de Janeiro em busca de melhores oportunidades de trabalho, onde reside até os dias atuais. Casada, desde 2007, com um conterrâneo que conheceu no Rio, tem um filho com ele. Recentemente, concluiu pós-graduação em História do Brasil contemporâneo pela Universidade Estácio de Sá. Inspirada na literatura de cordel que cresceu ouvindo seus familiares recitarem, escreve poemas nas horas vagas.


ABORTAR


Jeovânia P.*


Abortar a si mesmo

Sangrar por dentro

Morrer e si enterrar

Aborto d'Eu

De mim

Mortinho da Silva

Me vendo no espelho

E os vermes todos batendo palma

É carne fresca!



*Jeovânia P. - é poeta e professora. Formada em Filosofia e Letras – Língua Portuguesa pela UFPB, especialista em Educação Interdisciplinar pela UEPB, mestre em Filosofia pela UFPB. Atualmente é aluna especial no programa de doutorado em Letras pela UFPB. Em 2016, lançou “Palavras Poéticas” pela editora Ixtlan. Já em 2019, lançou os livros de poesia: “Poeticamente Entre Versos & Bocas”, pela editora Ixtlan e “A-M-O-R”, pela editora Sangre Editorial, e o livro de contos “Quem abriu a boca da pedra”, pela editora popular Vernas Abiertas. Também idealizou, organizou e lançou a coletânea de poesias e contos “O Livro das Marias”, pela editora Ixtlan. Foi selecionada pelo edital de obras poéticas da UFPB, em 2019, com a obra “Re[s][x]istência”, que está para ser lançada pela editora da UFPB. Já em 2020, organizou e lançou a coletânea de poesias, contos e crônicas “Escritura Negras – A mulher que reluz em mim”. Atualmente, organiza a coletânea “O livro das Marias II”.



bottom of page