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"La Gringa": Andréia Vizeu

Atualizado: 20 de nov. de 2020


Não posso respirar



Andréia Vizeu*


Nos últimos dias, saímos de um silêncio sepulcral, onde barulhos de sirenes significavam um adeus solitário da morte, e passamos a um momento explode coração, barulhento, empoderado e vital… os dois momentos involucrados em medo e falta de ar. Isso me leva a essa crônica sombria, mas necessária.

Nova Iorque sempre encontrou formas de me proporcionar tranquilidade e sorrisos. Posso caminhar pelas ruas a qualquer hora em qualquer lugar. Aqui conquistei meu espaço e não tenho medo de ser feliz. Tenho amigos, dois filhos maravilhosos, vida cultural interessante, trabalho que gosto, e todas as possibilidades que esse mundo nos oferece sem sequer sair do meu bairro. Pode parecer exagero, mas amo essa amálgama de gente, de cultura, de cheiros, sabores e amores. Faz mais de trinta anos que esse mosaico me seduz. Mas, agora, o medo e a revolta batem à porta.

Rompemos momentaneamente com a quarentena para sair às ruas em protestos por vidas negras ceifadas pela polícia. A polícia tira mais ar que o COVID-19. As sirenes, que há pouco salvavam vidas, agora se aliam à opressão e ao uníssono dos gritos “Eu não posso respirar”. Essa foi a última frase dita por Eric Garner, pai de um ex-aluno, homem negro, assassinado pela polícia anos atrás. E também a última frase de George Floyd, cuja vida foi sugada por um joelho vampiro de um policial branco. 

Quase em flashback do movimento pela liberdade civil, o povo com o coração doído e inspirado por falas como de Angela Davis, Malcolm X e Martin Luther King Júnior toma as ruas. Riscos e os medos do vírus são esquecidos e a cidade, forçada a um sono pela pandemia, desperta com a brutalidade sofrida por Floyd.

O povo, que teve seu ar sequestrado pelos fabricantes de cloroquina, retoma as ruas numa mensagem direta contra o preconceito rico, branco e vil. Tudo se transforma num campo de guerra.

“Vidas Negras importam”, “Sem Justiça não há paz”, são gritos de ordem desse povo. Vida ameaçada pelo vírus e morte que chega por mãos brancas que juram proteção, enquanto violentam e oprimem. Já estávamos sem ar faz tempo, mas estávamos adormecidos. Hoje, enquanto escrevo – treze dias depois da imagem dos nove minutos da tortura e asfixia de George Floyd nos sacudir – a luta por resgatar a humanidade roubada do povo negro pela escravidão ocupa o país. Angela Davis, poderosa, nos inspira: "Não basta não ser racista, temos que ser antiracista". Que assim seja.


*Andréia Vizeu - Bacharel em comunicação Social pela UFMG e Mestre em Educação pelo City College New York/City University of New York. Ativista em prol dos direitos humanos, contra o fascismo e o imperialismo. Co-produtora/apresentadora do programa semanal Voices of Resistance na WBAI FM/Pacifica Radio Network e professora do sistema público de educação da cidade de Nova Iorque onde vive com seus dois filhos e seus gatos. 



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