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Júlia Medeiros: do esplendor à penumbra*


Feminista, professora, atuante no jornalismo e na vida pública caicoense; doente e vil, foi nomeada de “Rocas-Quintas”





Júlia Augusta de Medeiros nasceu em 28 de agosto de 1896, em Caicó, estado do Rio Grande do Norte. Filha de Antônio Cesino de Medeiros e Ana Amélia de Medeiros, Júlia Medeiros era de origem rural, mas graças ao apoio de sua família e do seu espírito transgressor, conseguiu superar as adversidades e ingressar no Colégio Nossa Senhora da Conceição (CIC), instituição localizada na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, dedicada ao ensino das meninas da capital.

Posteriormente, desejando ser professora, ingressou na Escola Normal de Natal. Em 1926, retornou a Caicó e passou a lecionar no Grupo Escolar Senador Guerra. Nessa época, ela integrou o Jornal das Moças – o primeiro periódico exclusivamente feminino da cidade de Caicó –, em que reivindicava a inserção das mulheres nas Letras e na vida pública. O jornal tinha publicação semanal e era dedicado ao interesse da mulher. Sua circulação iniciou-se no dia 07 de fevereiro de 1926, na cidade de Caicó. Além de ser editado pela professora Georgina Pires e gerenciado por Dolores Diniz, o periódico ainda contava com as redatoras Santinha Araújo, Maria Leonor Cavalcante, Julinda Gurgel, como também várias moças da sociedade caicoense. Esse grupo de mulheres escreveu sobre literatura, humorismo e críticas com relação à condição da mulher na sociedade norte-rio-grandense.

Ainda no que tange à sua atuação na imprensa potiguar, Júlia Medeiros também colaborou para a revista Pedagogium, órgão oficial da Associação de Professores do Rio Grande do Norte. Segundo o jornal A República (13 de março de 1926), a professora Júlia Medeiros escreveu, em 1925, um artigo intitulado “A missão da mulher”, em que ela questiona o papel da mulher na sociedade. Na cena cultural do estado do Rio Grande do Norte, a sua atuação era plural, uma vez que, além de professora, Júlia Medeiros era também responsável pela produção de pequenos dramas teatrais na cidade.

Por volta de 1940, passou a conciliar as práticas pedagógicas com a direção do Hospital do Seridó, tornando-se a primeira mulher a ocupar esse posto. Ademais, atuou como vereadora de 1950 a 1958. Em 1960, perdeu a lucidez e foi levada, pela família, para Natal, na tentativa de restaurar sua saúde. Entretanto, não se recuperou e passou a perambular como mendiga, justificando seu apelido “Rocas-Quintas”, em referência à linha de ônibus que realizava o mesmo trajeto feito por ela. Excluída e esquecida, morreu em Natal em 29 de agosto de 1972, onde foi sepultada.

Júlia Medeiros viveu de 1896 até 1972, em uma sociedade brasileira em que à mulher cabia, quase que exclusivamente, as posições coadjuvantes. No entanto, mesmo com a educação restrita aos homens, teve o privilégio de estudar em Natal, tornando-se professora. Ao regressar a Caicó, dedicou-se ao magistério desvinculando-se das estruturas sociais femininas do Seridó, as prendas domésticas. Vista como “louca”, Júlia Medeiros transgrediu a condição da vida privada imposta às mulheres: atuou em um periódico feminil, em que reivindicou os direitos negados ao público feminino e o letramento das camadas populares, se recusou a casar-se e foi a primeira mulher de Caicó a dirigir um automóvel. Além disso, administrou uma instituição pública na cidade e se elegeu vereadora. Sendo assim, a professora foi uma figura ilustre de sua era, por romper paradigmas sobre o espaço da mulher. Todavia, não teve destaque na história hegemônica, registrada a partir de padrões que reprovavam o seu protagonismo. Com a sanidade mental comprometida, vivendo como mendiga pelas ruas de Natal e fadada ao esquecimento, terminou seus dias como “Rocas-Quintas”, sucumbindo consigo a imagem irreverente de Júlia Medeiros.


*A autoria do texto é atribuída a um trio de alunos, da Escola Agrícola de Jundiaí (EAJ - UFRN), composto por Ana Dandara Vieira Brito, Maria Helena Silva no Nascimento e Anderson Kaian de Lima Maniçoba, sob a orientação da professora e historiadora Maiara Juliana Gonçalves da Silva para a Olimpíada Nacional de História do Brasil (2019). O texto original foi publicado no Dicionário de verbetes Excluídos da História, organizado pela ONHB e disponível em: https://www.olimpiadadehistoria.com.br/especiais/excluidos-da-historia/verbetes/398


Sobre os autores:

Ana Dandara Vieira Brito tem 19 anos e é residente na cidade de Parnamirim, Rio Grande do Norte. É Técnica em Agropecuária pela Unidade Acadêmica Especializada em Ciências Agrárias da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e atualmente cursa Licenciatura em Química na UFRN.

Anderson Kaian de Lima Maniçoba tem 19 anos e reside na cidade de Parnamirim/RN. É Técnico em Agroindústria pela Unidade Acadêmica Especializada em Ciências Agrárias da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Atualmente, é discente do curso de Odontologia da UFRN.

Maria Helena Silva do Nascimento tem 18 anos e reside na cidade de Parnamirim/RN. É Técnica em Agroindústria pela Unidade Acadêmica Especializada em Ciências Agrárias da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Atualmente, está no cursinho pré Enem.

Orientadora: Maiara Juliana Gonçalves da Silva é graduada no curso de licenciatura em História (UFRN) e de bacharelado em História (UFRN). Possui mestrado em História e Espaço pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPGH-UFRN) e, atualmente, é aluna do doutorado em História na mesma instituição. Maiara Gonçalves é professora adjunta de História da Escola Agrícola de Jundiaí (UFRN) e é uma das editoras da nossa revista.


Legenda da foto:

Júlia Medeiros entre livros e papéis – Natal/RN (1925).

Fonte: acervo particular de Manoel Pereira da Rocha Neto.



BIBLIOGRAFIA:

JORNAL DAS MOÇAS (1926-1932). Semanário feminino editado na cidade de Caicó, pelas professoras Georgina Pires, Dolores Dinis, Júlia Medeiros e um grupo de mulheres.

FELIX, Ezequielda; MOREIRA, Aldo; FREIRE, Francisca Daise Galvão. Júlia Medeiros, peso na tradição, desejo de liberdade. Caicó, (Monografia) – Departamento de Estudos Sociais e Educacionais, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,1997

MONTEIRO, Pe. Eymard L’Eraistre. Caicó: subsídios para a história completa do município. 2. ed. Natal: Nordeste Gráfica/ Sebo Vermelho, 1999. MORAIS, Maria Arisnete Câmara de. Leituras de mulheres no século XIX. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

RIBEIRO, Caroline Lasneaux. Publicações femininas: Uma análise da representação das mulheres no Jornal das moças (1926) e na revista Marie Claire (2005). Brasília, (Monografia). Centro Universitário de Brasília. 2006.

ROCHA NETO, Manoel Pereira da. Jornal das Moças (1926-1932): Educadoras em manchete. Natal, (Dissertação). Universidade do Rio Grande do Norte. 2002.

ROCHA NETO, Manoel Pereira. A educação da mulher norte-rio-grandense segundo Júlia Medeiros. Natal, (Doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2005.



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