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Entrevistas: Natália Bonavides, Deputada Federal pelo PT-RN


Olá, Natália Bonavides*! Primeiramente, queremos agradecê-la por ter aceitado o nosso convite e dizer que estamos muito felizes com esta conversa. Nós, editoras da Revista Mulheres do Fim do Mundo, queremos parabenizá-la pela grande atuação política no Congresso Nacional em oposição ao governo Bolsonaro, bem como pelos esforços movidos em benefício da população no atual contexto de pandemia da Covid-19.


Mulheres do Fim do Mundo: Sabemos que a sua trajetória de atuação política é marcada pela militância, ainda como estudante, em centro acadêmico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e em projetos de extensão popular que defendem a função social da universidade. Gostaria que você falasse um pouco de como essa experiência nos movimentos estudantis e sociais contribuiu para a sua chegada aos cargos legislativos, como o mandato enquanto vereadora da cidade do Natal e deputada federal do estado do Rio Grande do Norte.


Dep. Federal Natália Bonavides (PT-RN): Os maiores aprendizados que eu tive na época de estudante não vieram de dentro das salas de aula, mas da atuação junto dos movimentos sociais, das comunidades de periferia, das pessoas que lutam por uma vida digna. Essas pessoas, que foram os professores e as professoras responsáveis pela minha formação militante, me mostraram o poder transformador da luta e da organização. A partir desse contato com as lutas populares me tornei advogada popular, passando a utilizar o direito a serviço dos movimentos sociais, a serviço das lutas por terra, por moradia, dos movimentos da população em situação de rua, das pessoas atingidas pelas desapropriações relacionadas à Copa… Essas experiências me permitiram uma formação, um acúmulo que me fez optar pela militância partidária como uma forma de somar nas lutas sociais. E a escolha pelo Partido dos Trabalhadores teve tudo a ver com essa trajetória, pois em todas as lutas e atividades das quais participei como estudante e como advogada, o PT estava presente, indicando que aquele partido tinha de fato um compromisso com a classe trabalhadora. Filiada ao PT, não tinha planos de me tornar candidata, mas aproximando-se as eleições de 2016, quando estávamos no momento de pré-golpe, as companheiras e companheiros que militavam comigo avaliaram que eu poderia ter um perfil importante na disputa eleitoral, por ser uma mulher, jovem, mas, principalmente, por estar conectada às lutas dos movimentos populares da cidade. Foi quando topei a tarefa de ser candidata a vereadora de Natal e fizemos uma campanha muito bonita, super politizada, junto dos movimentos sociais da cidade, dos sem-terra, sem teto, da população em situação de rua, mulheres e população LGBT. Essa forma de fazer política que aprendi quando estudante, e que eu sigo acreditando, acabou conquistando corações e mentes, que foram se juntando à nossa campanha, e conquistando também alguns milhares de votos que fez com que tivéssemos a maior votação de uma candidatura petista à Câmara Municipal de Natal. Na disputa para a Câmara Federal não foi diferente. Ampliamos nossa forma de fazer campanha política para todo o estado, sem abrir mão de levantar as bandeiras de luta que defendemos, e que ajudamos a construir; sem abrir mão da parceria com os movimentos sociais, naquele cenário tão duro das eleições de 2018. O resultado novamente foi expressivo e fui a segunda mais votada do meu estado. Mas não é só agitação de campanha. Eu tenho uma compreensão de que um mandato parlamentar não é um fim em si mesmo, mas algo que deve servir às lutas sociais, que deve ser instrumento para fortalecer a luta por direitos, os movimentos, a classe trabalhadora. E, nesse sentido, o mandato de vereadora foi construído, e o atual mandato de deputada federal atua. Sempre em diálogo com a população, sempre atento às demandas que nos são apresentadas, sempre buscando defender os interesses e os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras frente aos ataques do atual desgoverno e das elites do país.


Mulheres do Fim do Mundo: Considerando a sua trajetória acadêmica na UFRN, onde passou pela formação no curso de Direito e de Pós-graduação em Direito Constitucional, e sua atuação como representante no legislativo em defesa da democratização do acesso ao ensino superior público (integrando, inclusive, a Comissão de Educação), como você avalia os impactos dos cortes de recursos e de ataques gratuitos às universidades públicas instituídos no atual governo de Jair Bolsonaro?


Natália Bonavides (PT-RN): A educação é uma das áreas mais atingidas por esse governo de destruição e isso tem um propósito. Eu sempre busco destacar que Bolsonaro tem um projeto muito bem definido, e faz parte desse projeto destruir um dos mais importantes legados dos governos petistas, que permitiu milhares de jovens de origem popular, filhos e filhas da classe trabalhadora, ascenderem socialmente e melhorarem de vida – a valorização da educação pública, gratuita e de qualidade. É buscando esse objetivo que o atual governo faz sucessivos cortes no orçamento, que atuou para prejudicar a aprovação do FUNDEB e que propõe projetos como Escola sem partido, ensino domiciliar e de privatização do ensino federal. Além de desmontar o ensino público, Bolsonaro ainda consegue enfraquecer uma área em que ele encontra maior resistência ao seu governo negacionista e anticiência. Os cortes também funcionam como censura às manifestações contrárias ao presidente, e isso ficou bem nítido em 2019, após o ministro da época anunciar cortes nas universidades que estavam fazendo “balbúrdia”. Cada dia a mais desse governo genocida na presidência significa mais pessoas morrendo na pandemia, mais pessoas passando fome e mais ataques à educação pública, gratuita e de qualidade.


Mulheres do Fim do Mundo: Recentemente, em um episódio ocorrido na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara (CCJC), durante a votação do colegiado, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) foi alvo dos ataques violentos e misóginos de Éder Mauro (PSD-PA). Sabemos que casos como estes são recorrentes nas plenárias do Congresso Nacional. Gostaria que você comentasse um pouco a respeito destes enfrentamentos que, rotineiramente, desqualificam, agridem e violentam mulheres que compõem o espaço político brasileiro.


Natália Bonavides (PT-RN): O que a companheira Maria do Rosário enfrentou esses dias foi a demonstração de uma das várias faces violentas do machismo: a violência política de gênero. Ou seja, é mais uma forma que o machismo tem de tentar nos calar, de nos tratar como objeto e de impedir que a gente participe dos espaços de decisão, dos espaços políticos que podem dar visibilidade às denúncias de práticas como essa, que podem promover conquistas para as mulheres, impondo derrotas a esse sistema que nos silencia e que nos mata. A violência política de gênero se manifesta através de várias formas, como a desqualificação, a interrupção, a negação da fala e as ameaças. Durante os debates na Câmara, por exemplo, quando um deputado se exalta ele está sendo firme e contundente, quando é uma deputada que levanta voz, logo é taxada de histérica. Eu já passei por esse tipo de situação algumas vezes, assim como presenciei acontecendo com outras colegas. Já as manifestações de quem discorda de minhas posições políticas quase sempre vêm acompanhadas de xingamentos com conotações sexuais como vadia, puta, incluindo ameaças de estupro. É um contexto que, ao meu ver, indica e reforça ainda mais a necessidade de termos mais mulheres feministas na política, para fazer a defesa intransigente da igualdade de gênero e enfrentar o machismo que produz essas violências.


Mulheres do Fim do Mundo: Você, enquanto representante política na instância federal do estado do Rio Grande do Norte, vem desempenhando importantes ações para a consolidação dos direitos das mulheres. Para mencionarmos algumas dessas ações, citamos: Emendas destinadas às Delegacias da Mulher (DEAMS), às “Salas Lilás”, criadas para prestar atendimento especializado e humanizado às mulheres vítimas de violência, e ao Programa Amigos do Peito (que tem como objetivo transportar leite materno para crianças recém nascidas desnutridas e deficientes físicas ou que têm dificuldade de ser amamentadas); a criação e apresentação do Projeto PRC 103/19 (o prêmio Nísia Floresta) que reconhece e premia o trabalho das educadoras brasileira; a inclusão de doulas em grupo prioritário para a vacina contra Covid-19; o Projeto PL 1.444/2020, que prevê a ampliação de vagas em abrigos para mulheres em situação de violência doméstica e atendimento psicológico, entre outros. Lembramos que o estado do Rio Grande do Norte é o único estado governado por uma mulher: a governadora Fátima Bezerra (PT-RN). Diante de tantas realizações voltadas para os direitos das mulheres, como você avalia o impacto dessas ações no estado do Rio Grande do Norte? E nesse cenário de pandemia, como você avalia os efeitos na vida das mulheres? Quais os novos desafios a serem enfrentados pela população feminina devido aos impactos promovidos pela covid-19?


Natália Bonavides (PT-RN): Na nossa sociedade, as mulheres estão submetidas a diversas opressões, e em nosso país a maioria convive com pelo menos três: de classe, de gênero e de raça. Ou seja, mulheres da classe trabalhadora, sobretudo negras, possuem as piores condições de vida, de trabalho e de acesso a políticas públicas, se comparado aos homens. Isso se agravou agora na pandemia. As mulheres passaram a acumular mais horas de trabalho doméstico não remunerado, a assumir tarefas de educar filhos em casa com o fechamento das escolas ou ensino remoto, impactando diretamente em seus empregos. Também passaram a estar mais expostas à violência doméstica, já que a casa, onde sofrem agressões, ameaças, violência sexual de companheiros e familiares, não é um ambiente seguro para muitas mulheres. De maneira geral, as condições de sobrevivência pioraram muito para a população empobrecida, da qual as mulheres são maioria. Como feminista socialista e antirracista, a luta contra essas opressões não poderia ficar de fora no nosso mandato. Além dessas medidas que você já apontou, de garantia de recursos para as políticas de saúde da mulher e de enfrentamento à violência doméstica no Rio Grande do Norte, de projetos de lei voltados para a proteção da mulher e para a promoção da igualdade de gênero, também entendo como igualmente importante a luta para barrar os retrocessos e as retiradas de direitos da classe trabalhadora, classe que tem maioria de mulheres. Temas como foi a reforma da previdência, que só aumentou a idade de aposentadoria das mulheres; como foi a emenda que limitou o auxílio emergencial, atingindo com mais força as mulheres da classe trabalhadora, por serem as mais vulneráveis ao desemprego e à pobreza, todas essas medidas têm impacto no cotidiano das mulheres. Fortalecer a rede de atendimento de saúde e de vítimas de violência doméstica aqui no Estado, por exemplo, implica em melhorar o serviço e o acesso das mulheres a essas políticas públicas. Garantir abrigos na pandemia, como faz o projeto de lei do qual fui relatora, sem dúvida é uma medida que pode salvar a própria vida daquelas que estão em risco. Promover ações que incentivem a promoção da igualdade de gênero através do Prêmio Nísia Floresta, é um ganho para todas as mulheres que sofrem diariamente os efeitos de uma questão estrutural e cultural que é o machismo. Por outro lado, o que a gente consegue ainda é pouco diante do que está em curso no país, que é um projeto de ofensiva contra os direitos das mulheres, um projeto que tem como seu porta voz um homem declaradamente machista, autor das frases mais repugnantes que acabam legitimando a violência que é praticada cotidianamente contra as mulheres. Entendo que são muitos os desafios, que teremos de enfrentar pós-pandemia e pós-Bolsonaro, tanto no campo da recuperação e fortalecimento das políticas institucionais de garantia de direitos quanto no campo da disputa cultural, que vem se intensificando cada vez mais no país.


Mulheres do Fim do Mundo: No contexto em que vivemos, são as mulheres, sobretudo as mulheres negras, as que mais sofrem com a pobreza extrema. A redução de direitos e de políticas públicas já vinha sendo adotada pelo atual governo federal como justificativa para o ajuste fiscal em épocas anteriores à pandemia. Direitos constitucionais como moradia e alimentação nunca foram tão urgentes no país. O número de brasileiros que enfrenta a insegurança alimentar é grave. Recentemente, você protocolou o Projeto de Lei 1975/2020 que impede ações para despejar e desabrigar pessoas de seus locais de moradias ou onde produzam alimentos. Considerando esse cenário de fome e de pobreza, quais políticas sociais são indispensáveis para se combater a pobreza e a desigualdade que assolam o nosso país?


Natália Bonavides (PT-RN): A principal medida para combater a pobreza e a desigualdade é derrubar o governo de Bolsonaro e esse projeto ultraliberal, que ele vem aprofundando no país. Primeiro, porque Bolsonaro é uma ameaça real à vida das pessoas, sendo responsável por esse verdadeiro genocídio em curso na pandemia, por essa política de morte e de fome que vai continuar afligindo a população brasileira enquanto ele não sair da presidência da República. Segundo, porque no que depender desse projeto ultraliberal, que já cortou aposentadoria, que congelou salário mínimo, que retirou direitos trabalhistas, que impediu o país de investir em políticas sociais por 20 anos, a vida dos trabalhadores e das trabalhadoras vai continuar piorando para sustentar a riqueza de poucos. Não é à toa que nessa pandemia aumentou o número de pessoas ricas no país, enquanto mais da metade da população passou a viver em insegurança alimentar, ou seja, sem saber se vai comer no dia seguinte. Então, para que o país saia de fato dessa crise e combater a pobreza e a desigualdade, nós precisamos de um novo projeto de país. Um projeto comprometido com a classe trabalhadora, com a revogação do teto dos gastos e das medidas que citei anteriormente. Um projeto que retome investimentos na indústria e nas políticas sociais para que a economia volte a girar, e a gente tenha mais empregos, mais recursos para a saúde, educação e cultura. Um projeto que faça reformas estruturantes como da reforma agrária, dos meios de comunicação, do sistema político e tributário. Acredito que esse seja o caminho para que a gente consiga garantir condições de vida digna ao povo brasileiro.


Mulheres do Fim do Mundo: Estamos acompanhando os desdobramentos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19. Você e sua equipe vêm colaborando para o êxito dos trabalhos feito pela CPI enviando, inclusive, aos senadores responsáveis pela condução da Comissão, um apanhado de investigações contra os crimes do governo Bolsonaro. Após contabilizar pouco mais de 430 mil mortes por Covid-19 no Brasil, como você avalia o trabalho que vem sendo feito pela CPI e a urgência dos resultados e responsabilização do governo Bolsonaro após um ano e meio de pandemia?


Natália Bonavides (PT-RN): A CPI tem pouco tempo de funcionamento, mas já revelou que o governo optou por implantar uma política que auxiliou a propagação do vírus. Isso porque está evidente em todos os depoimentos que o governo Bolsonaro trabalhou para boicotar as medidas de isolamento social e tomou decisões que atrasaram a aquisição de vacinas, o que fez com que tivéssemos hoje essa situação de escassez de doses de vacinas. Veja, o presidente foi notificado pessoalmente de ofertas de vacinas que poderiam ser entregues em dezembro de 2020. E, mesmo assim, a oferta ficou seis meses sem qualquer resposta do governo Federal, como foi dito na CPI. Além disso, os depoimentos revelaram que o governo, deliberadamente, nada fez para conseguir vacinas para nosso povo. É por conta dessa postura do governo que estamos perdendo tanta gente querida, tantas pessoas que admiramos, acometidas por uma doença contra a qual já existe vacina! Estamos assistindo a um assassinato em massa provado pela escolha do governo federal de deixar o povo se infectar. Agora, sobre a responsabilização dos que praticaram essa política causadora de tantas mortes, só temos como ter certeza que isso vai acontecer se nos mobilizarmos contra esse governo, que tem sido mais perigoso que o vírus! Isso porque, o governo aparelhou todas as instâncias responsáveis por tomar ações contra ele. A ponto de haver notícias de que o STF preferiu não noticiar a PGR sobre a operação contra o ministro do meio ambiente por medo de que o procurador da república vazasse a operação para o governo. A situação é grave e só será revertida se o povo deixar claro que não aceitará que esse governo, responsável direto pelas perdas que todas as famílias do país vêm sofrendo, continue aí até dezembro de 2022.


*Natália Bastos Bonavides nasceu na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, no dia 15 de junho de 1988. É advogada popular, mestre em direito constitucional, feminista, militante dos direitos humanos e dos movimentos sociais e política brasileira. No ano de 2016, Natália Bonavides foi eleita à Câmara Municipal de Natal pelo Partido dos Trabalhadores (PT-RN). Nas últimas eleições para cargos federais, em 2018, Natália foi eleita deputada federal pela coligação PT/PCdoB/PHS com 112.998 votos, sendo a segunda mais votada do estado e a deputada federal mais votada de Natal (com 43.714 votos).


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