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Entrevista com Heloísa Buarque de Hollanda

Atualizado: 29 de out. de 2021

Heloísa Helena Oliveira Buarque de Hollanda* é a convidada na coluna “Entrevistas” da nossa 13ª edição! Atualmente, Heloísa Buarque de Hollanda é escritora, crítica literária, diretora da HB - Heloísa Buarque Projetos Editoriais e professora de Teoria crítica da cultura na Escola da Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde coordena o projeto Universidade das Quebradas, o Fórum Mulher e Universidade e o Programa Avançado de Cultura Contemporânea. Com 60 anos de carreira e 80 anos de caminhada pela vida, Heloísa Buarque de Hollanda já deixou contribuições preciosas e inspiradoras. Nós, editoras da Revista Mulheres do Fim do Mundo, queremos agradecê-la por ter aceito o nosso convite e dizer que estamos muito felizes com esta conversa.



"Organizei um seminário chamado ‘Feminismos e Favelas: um diálogo urgente’ onde reuni ativistas das favelas com feministas acadêmicas. Foi muito lindo. As ativistas se descobriram e exibiram suas formas inovadoras de lutas e estratégias e as feministas acadêmicas tiveram espaço para mostrar seus pressupostos feministas e identificaram alguns porquês de sua dificuldade de conexão com as comunidades que trabalhassem fora dos sindicatos ou organizações sociais do centro."
Heloísa Buarque de Hollanda

Mulheres do Fim do Mundo: Sua aproximação com os feminismos ocorreu nos anos de 1980, momento chave no que diz respeito à retomada dos direitos civis e políticos no Brasil, após 21 anos de ditadura militar. O que era ser uma feminista nos anos 80?


Heloísa Buarque de Hollanda: Nessa época, ao lado das ações políticas das feministas como a importante intervenção na Constituição de 1988, os estudos feministas começaram a surgir nas editoras universitárias dos Estados Unidos e da Europa. Era todo um novo campo de produção de conhecimento que se abria para as mulheres. Afinal, ler, a partir de seu próprio ponto de vista as grandes teses existenciais e ontológicas que nos formaram era um passo determinante para o feminismo. Ser uma feminista nos anos 1980, portanto, era intervir diretamente na arena política e intervir igualmente na arena epistemológica. Foi uma das décadas, talvez a mais interessante do feminismo. Essa onda que levantava a bandeira do ‘direito de interpretar’ é conhecida como a terceira onda do feminismo.


Mulheres do Fim do Mundo: Sabemos que a difusão dos debates de gêneros no Brasil foi “atrasada” ou “ofuscada” nos períodos da Ditadura Militar e da redemocratização por pautas consideradas mais urgentes: luta de classes, direitos políticos, civis e humanos. A luta das mulheres por igualdade social e seu protagonismo nas batalhas sindicais eram bem aceitos nos setores progressistas, mas pautas mais específicas (ligadas à sexualidade, à construção dos papéis de gênero ou a questões raciais) eram constantemente marginalizadas ou silenciadas. Mesmo com avanços significativos, ainda vemos grande resistência a estes temas dentro dos partidos de esquerda. O argumento de que os feminismos e as questões raciais “dividem” a esquerda e polarizam a população sempre emerge. Como avançar essa discussão?


Heloísa Buarque de Hollanda: A gente, na realidade, já começa a avançar nesse debate que, como vocês disseram, ainda é persistente, mas com o avanço da pauta internacional dos direitos humanos e com as novas gerações apontando, de forma bastante contundente, para pautas como o aumento da violência doméstica e principalmente do feminicídio, para o grande número de mulheres chefes de família, onde são as únicas provedoras da casa, as restrições e limites de suas aspirações no mercado de trabalho e sua ascensão no campo político e do trabalho, o feminismo começa a ser mais considerado como uma agenda política imprescindível.


Mulheres do Fim do Mundo: Muito antes do feminismo se estabelecer enquanto campo do conhecimento e perspectiva teórica, ele irrompeu enquanto prática/ação. Atualmente, temos experenciado uma nova onda feminista que vem pautando a necessidade de formulação de teorias que possam dar conta das especificidades e demandas das mulheres latino-americanas. Como você avalia o impacto dessas interpelações decoloniais sobre a geração de jovens mulheres? E como podemos avaliar os impactos dos feminismos decoloniais em espaços de saber como as universidades, por exemplo? (o que vem mudando em termos de métodos de pesquisas, formas textuais, paradigmas, seleção de referência bibliográfica que fuja dos cânones e interação em sala de aula, etc.)


Heloísa Buarque de Hollanda: Isso é uma realidade. A chegada das teorias decoloniais é bem coincidente com a consolidação das reivindicações identitárias. As duas me parecem faces da mesma moeda. Quando o feminismo branco eurocentrado é colocado em questão, explodem novas demandas e a valorização de novas formas de pensamento e visões de mundo locais e diversificadas. Esse é um momento muito belo para nós, feministas das antigas, em que afinal, todas as mulheres e suas raízes culturais se apresentam para enriquecer o debate e a luta feminista.


Mulheres do Fim do Mundo: Você é uma das idealizadoras da Universidade das Quebradas, um projeto que promove o diálogo de produtores culturais e artistas das periferias com a comunidade acadêmica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desde 2009. Considerando que as universidades foram fundadas sobre um paradigma branco, masculino e elitista (que não só produziu seus saberes a partir dessa referência, como também os validou enquanto conhecimento científico), como o projeto, nesses 12 anos de existência, vem contribuindo para a democratização dos conhecimentos?


Heloísa Buarque de Hollanda: Quando idealizei a Universidade das Quebradas com a ideia de trazer para dentro dos muros da universidade os novos saberes das periferias, tive muito medo da reatividade da comunidade acadêmica. Estava preparada para perder, mas convicta da necessidade dessa experiência, mas o que aconteceu foi inesperado. Os ‘quebradeiros’, como se chamam os participantes do projeto, surgiram com tanta garra , com tanta vontade de aprender e de narrar suas experiências e saberes que correu muito fácil esse laboratório cuja metodologia é a troca de conhecimentos. Hoje, pela Universidade das Quebradas já passaram mais de 700 artistas, ativistas, produtores culturais e arte educadores no laboratório e o crescimento que demonstraram foi bem acima das expectativas. Os quebradeiros, que de objetos de estudos universitários passaram a sujeitos de ação e produção, estão em toda parte crescendo com seus projetos e muitas vezes já influindo na vida pública. O Secretário Municipal de Cultura do Rio de Janeiro é um ex quebradeiros, assim como vários de sua equipe e diretores de museus. Meu maior plano, entretanto, que era sensibilizar a universidade em relação à importância dessa nova cultura periférica, teve uma resposta bem aquém da sonhada. O que comprova que a universidade ainda tem seus muros inabaláveis.


Mulheres do Fim do Mundo: Heloisa, parece que ainda existe um muro entre mulheres periféricas e as teorias feministas acadêmicas. Observamos um crescimento de movimentos de mulheres que não se definem como feministas, por exemplo, os movimentos comunitários contemporâneos ligados às populações rurais, ao campesinato e às periferias. Nesse sentido, na sua opinião, os feminismos estão dialogando com quais mulheres ? Que mulheres eles contemplam? Até que ponto podemos falar que os feminismos são movimentos populares?


Heloísa Buarque de Hollanda: Tenho trabalhado isso muito. Como coordeno o coletivo Muque (mulheres das quebradas), minha interlocução com mulheres de favelas e comunidades é alta. Inicialmente, elas recusavam peremptoriamente toda e qualquer identificação com o feminismo. Quando perguntadas respondiam: o feminismo não trata de questões nossas, fala numa linguagem inacessível e desconhece nossa existência. Aí organizei um seminário chamado ‘Feminismos e Favelas: um diálogo urgente’ onde reuni ativistas das favelas com feministas acadêmicas. Foi muito lindo. As ativistas se descobriram e exibiram suas formas inovadoras de lutas e estratégias e as feministas acadêmicas tiveram espaço para mostrar seus pressupostos feministas e identificaram alguns porquês de sua dificuldade de conexão com as comunidades que trabalhassem fora dos sindicatos ou organizações sociais do centro. Para mim, o resultado mostrou que temos ainda um longo e desconhecido caminho a percorrer.


Mulheres do Fim do Mundo: Hoje as aproximações de jovens mulheres com movimentos auto-organizados (feministas ou não) se dá mediante o universo das mídias digitais. Tem-se disponível todo um leque de possibilidades de conteúdos dispersos pelas redes, desde referência bibliográficas disponibilizadas em acervos digitais a vídeos de youtube ou postagens nas contas do twitter/instagram. Como você avalia o papel da internet, sobretudo das mídias sociais, como potencializadora e produtora de uma espécie de instrumentalização desses novos feminismos?


Heloísa Buarque de Hollanda: Fundamentais! Podemos atribuir à internet o boom do feminismo jovem e seus desdobramentos. O feminismo nunca havia conseguido se comunicar e colocar suas demandas e pautas como aconteceu nessa quarta onda que cresceu já na vigência da internet.


Mulheres do Fim do Mundo: Os volumes “Pensamento Feminista Brasileiro” e “Pensamento feminista hoje”, organizados por você, visavam, entre outras coisas, fornecer um repertório histórico, conceitual e epistemológico para pesquisas e lutas políticas. Ao mesmo tempo, são livros que remetem à sua própria formação como pesquisadora e feminista. Qual é a importância do compartilhamento de saberes entre mulheres (seja por meio de livros, leituras, escrita, rodas de conversa, coletivos, etc.)?


Heloísa Buarque de Hollanda: Acho que é a maior bandeira política que podemos levantar agora são movimentos articulados, compartilhados, solidários. No meu caso, por exemplo, procuro sempre responder as demandas de mulheres que chegam a mim, colaboro com os projetos feministas e coloco o que eu tenho à disposição especialmente das mulheres negras, ativistas ou de periferia. Procuro compartilhar conhecimento, espaço em livros, aulas e oficinas. Outra estratégia é a de compartilhar presença em canais, mídias sociais, em mesas de palestras e apresentações públicas. É juntar ou desistir. É assim que vejo a atuação política feminista acadêmica hoje.


Mulheres do Fim do Mundo: Recentemente, você fez menção de que passaria a usar o sobrenome Heloísa Teixeira no lugar de Heloísa Buarque de Hollanda. O que te motivou para tal iniciativa? Trata-se de uma atitude política pensando numa crítica à estrutura patriarcal de nossa sociedade?


Heloísa Buarque de Hollanda: Sim. Com toda certeza. Me dei conta que uso o nome do marido e antes usava o do pai. Quero agora ser identificada com o sobrenome da minha mãe, com a linhagem de mulheres da minha família.


Mulheres do Fim do Mundo: O que podemos esperar de uma futura quinta onda feminista considerando os avanços conquistados até aqui e levando em conta os retrocessos que temos combatido todos os dias?


Heloísa Buarque de Hollanda: Acho que uma quinta onda já está em curso. Saímos do universo das #s, para a realidade, essa realidade dura do enfrentamento aos retrocessos. Temos um número bem maior de vereadoras e deputadas com projetos e atuações importantes e criativas, e atitudes cotidianas de mulheres que não tem deixado passar em branco o sexismo e o racismo. E isso só tende a se consolidar e ampliar. Só quero dizer, nesse final, que um dos exemplos do que acabei de falar são as perguntas inteligentemente resistentes que vocês me fizeram nessa entrevista para uma revista com o sintomático título Mulheres do Fim do Mundo. Obrigada pela alegria que vocês me causaram. Estamos juntas. Beijos carinhosos!


 

* Heloísa Helena Oliveira Buarque de Hollanda nasceu na cidade de Ribeirão Preto/SP epossui formação em Letras Clássicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e mestrado e doutorado em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).Atualmente, Heloísa Buarque de Hollanda é escritora, crítica literária, diretora da HB - Heloísa Buarque Projetos Editoriais e professora de Teoria crítica da cultura na Escola da Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde coordena o projeto Universidade das Quebradas, o Fórum Mulher e Universidade e o Programa Avançado de Cultura Contemporânea.É autora de inúmeros livros e ensaios como, por exemplo, as obras Macunaíma: da literatura ao cinema (1978), Pós-modernismo e política (1992) (Org.), Ensaístas brasileiras (1993), Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura (1994), Explosão Feminista: arte, cultura, política e universidade (2018) (Org.), Pensamento feminista brasileiro: formação e contexto (2019) (Org.), entre outros.

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