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Traduções: Entrevista com Gahela Cari

Atualizado: 20 de fev. de 2021


https://euforia.org.es/gahela-cari-contreras/
Gahela Cari

A Revista MFM traz para vocês nesta edição uma entrevista com Gahela Cari, candidata transafroandina ao Congresso peruano pela coligação de esquerda Juntos por Peru[1]. 

A entrevista foi feita por Vanessa Cruzado Alvares, jornalista da Revista Somos.
Publicação original do dia 1º de fevereiro de 2021, disponível https://elcomercio.pe/autor/vanessa-cruzado/?ref=ecr


Estão previstas para o dia 11 de abril de 2021 as eleições no Peru. A vida política do país não tem andado tranquila. O Peru teve quatro presidentes em quatro anos - três deles em apenas uma semana, em novembro de 2020. Isso tudo em meio à crise política, denúncias de corrupção e favorecimentos, fechamento do congresso, golpismo do congresso, muita violência nas ruas e pandemia da Covid-19. PPK, presidente eleito em 2016, estava ameaçado de impeachment por denúncias de propina junto à Odebrecht - que foram reveladas pela Operação Lava Jato no Peru. Ele renunciou em 2018, tendo assumido o vice, Martin Vizcarra, que combatia com a maioria fujimorista no Congresso, chegando até mesmo a fechá-lo em uma decisão constitucional, mas polêmica[2]. Com tantos problemas, ele foi destituído pelo congresso por “incapacidade moral”, em um julgamento controverso, cuja questão principal girava em torno do favorecimento a um músico. Francisco Sagasti era um nome que agradava ao Congresso e que foi emplacado justamente por suas posições contra Vizcarra, mas sem o apoio popular. Em meio a violentos protestos de rua e altas taxas de Covid-19 ele renunciou. Manuel Merino, chefe do congresso, assumiu o executivo com grande rejeição e é o atual presidente.


Nas eleições de 2016, três projetos diferentes se destacaram: o neoliberal de PPK, que acabou “vitorioso”; o fujimorista de Keiko Fujimori, que apesar de derrotado no 2º turno teve maioria no congresso; e a esquerda com a Frente Ampla Peruana, liderada por Verónika Mendoza[3], que se colocava como uma proposta de coalizão à esquerda, “sem deixar ninguém para trás”. Os movimentos golpistas em curso no Paraguai e no Brasil em 2016, assim como a situação da Bolívia e da Venezuela, colocaram em pauta a importância dos governos eleitos com o voto das minorias sociais apresentarem um programa de governo que realmente as contemplem. As eleições deste ano acontecerão em uma situação muito mais tensa do que as de 2016. Existem mortos, desaparecidos e muitas vítimas da violência policial no contexto dos protestos políticos, um congresso desacreditado pelo golpismo e pela corrupção e pela pandemia da Covid-19 (o Peru é um dos países com a maior taxa de mortalidade por Covid no mundo).


Apesar dos problemas e da instabilidade que aflige não apenas o Peru, mas a América Latina e o mundo de maneira geral, os movimentos sociais seguem lutando nas ruas e nos espaços da política institucional. Essa entrevista com a candidata ao Congresso Peruano, Gahela Cari, mostra que apesar das dificuldades, estamos avançando - apesar de ser ainda longo o caminho que a sociedade tem a percorrer, tanto do ponto de vista legal quanto representativo, no que tange às questões de gênero e à democracia social.


Seguimos caminhando.

Tradução e notas de Flavia Veras



Com um chapéu que leva as cores andinas e um lenço verde no punho, Gahela Tseneg Cari Contreras avança em um sistema no qual não se sente representada. Ela é candidata ao Congresso com o número 13 de Juntos por el Peru para “devolver a cidadania para as pessoas”. Se vencer, ela se tornará a primeira congressista trans do Peru. A primeira coisa que Gahela Tseng Contreras (28) falou ao se apresentar, com orgulho na voz, é que é uma mulher transafroandiana e migrante. Durante sua infância viveu entre a lagoa, o campo e os animais do povoado de Bernales, no distrito de Humay (Pisco). Cresceu vendo sua mãe lutar pelos direitos dos camponeses, enquanto seu pai tentava levar um colégio para a comunidade. Sendo a quarta filha de seis irmãos, assumiu ainda pequena o cuidado com os menores e também trabalhava no cultivo para a família. Desde o colégio esteve imersa em causas como o reflorestamento, campanhas contra a violência contra a criança, o tratamento de menores e o abuso. Estudou direito na Universidade Nacional San Luis Gonzaga e nesta época começou sua transição. Quando se formou não pode obter o título de bacharel porque a direção da universidade exigiu que ela cortasse o cabelo e usasse o nome de registro em sua identidade (RG). “Sinto que o sistema me disse: não importa que você se esforce, vocês está ferrada.” Ela tenta mudar essa realidade desde sua área: as leis. Ela é candidata com o número 13 de Juntos por Peru.


Você já conhecia Verónika Mendoza? Por que escolheu se candidatar por seu partido?

Eu a conheci entre 2013 e 2014, quando me candidatei ao Parlamento Jovem[4] e ainda não tinha começado minha transição. Ali fui acompanhando os debates pela igualdade. Quando comecei a visibilizar minha orientação sexual e identidade de gênero, assumi as agendas [do partido]. Meus pais me falavam: “não se meta a fazer política. Termine seus estudos, tenha seu trabalho, compre sua casa e viva tranquila”. Eu desobedeci! [risos] Quando me convidaram eu não duvidei. Entrei porque Vero me convenceu. Hoje não milito só por ela, mas por uma sociedade diferente.


Em 2019, Verónika Mendoza, então no Nuevo Peru[5], anunciou uma aliança com Peru Libre[6], de Vladimir Cerrón[7], que não apenas foi condenado por corrupção, mas também fez comentários homofóbicos. O fato de ele continuar no partido não vai contra o que você defende?

Vladimir Cerrón não só fez comentários homofóbicos, mas também racistas e xenófobos.[8] Ele é o conjunto completo do que a esquerda não precisa. Não houve uma aliança entre pessoas (Mendoza-Cerrón), mas entre espaços políticos. O documento da aliança reafirmava a luta contra a violência de gênero, a luta LGBTI e a luta feminista. Tenho combatido Vladimir Cerrón não por fora, mas também por dentro do partido, exigindo que esse senhor se retire, e não deixarei de fazê-lo. Acredita que não existe machismo [dentro do partido]? Claro que tem e por isso temos combatido. Eu não faço política a partir do purismo, faço a partir da pedagogia. Através da prática temos que disputar com coragem, alegria, amor, sem deixar de falar firme.


Não descartam alianças com partidos da direita conservadora....

A política é convencer, dialogar, buscar consensos. Não vou impor o que eu penso, mas vou colocar as coisas na mesa e debater. Temos que fazer pedagogia política para chegar a consensos.



Gahela Cari participou das marchas contra Manuel Merino. Sua foto ajoelhada e levantando punho enquanto a polícia tentava reprimir os manifestantes deu a volta ao mundo. “Voltaria a fazer se necessário” (Foto: Anthony Niño de Guzmán / Somos)



https://twitter.com/GahelaJP13/status/1355208579230396420?s=20



Chegando no Congresso, qual seria sua primeira ação?

Primeiramente vai ser a reforma de gênero. A Lei de Educação Sexual Integral para acabar com a educação machista. Em segundo lugar está a Lei Integral Trans, para devolver a cidadania às pessoas trans. Também o Sistema Integral de Cuidados, para contar com um espaço para as crianças, adultos, pessoas com deficiência e doentes. O aborto legal, seguro e gratuito, o matrimônio igualitário e outras iniciativas mais.




https://twitter.com/dw_espanol/status/1326220325730746368?s=20



Você propõe uma reforma agrária. No que ela consiste?

Temos quatro pontos fundamentais: primeiro uma aposentadoria rural para que os camponeses e as camponesas não morram lavrando sua terra. Em seguida um seguro de saúde rural para que possam ter onde se cuidar. Terceiro ponto é garantir que possam fazer compras diretas para que assim tenham acesso a preços mais justos. O último ponto tem a ver com treinamentos e empréstimos a juros baixos. Isso ajudaria a empurrar ou reativar uma economia em favor da cidadania dos e das camponesas mais esquecidas.


No plano também é apresentada uma reforma policial, um tema que os políticos não têm tido interesse em aprofundar...

Nenhuma família deve chorar a perda de seus filhos pelas mãos da polícia. Hoje a polícia como instituição se transformou em um objeto que serve para reprimir a cidadania e cuidar dos empresários, enquanto batem, jogam gás e assassinam quem protesta por uma vida digna. Propomos subir o salário dos policiais, revogar a Ley Gatillo[9] e eliminar o Grupo Terna[10]. Melhorar ainda a formação da polícia com enfoque de gênero, meio ambiente e interculturalidade, que permita um melhor desempenho. Existem bons oficiais e nenhum deles irá se opor a essa reforma. Os que se opõem são os que estão vivendo na impunidade.



Candidatar-se a um dos estamentos mais desacreditados do país é uma oportunidade ou um erro?

É um desafio. Faço política porque minha vida não é mais só minha. Cabe a mim fazer avançar os direitos fundamentais, pressionar por agendas de igualdade. Toda vez que me levanto da cama, reafirmo esse compromisso. A maioria dos políticos tem suas vidas resolvidas. Não têm de lutar por um documento de identidade que reconheça seu nome. Eles não têm que ver seu pai ou mãe morrer sem uma pensão agrária, apesar de terem trabalhado a vida toda. Tenho o desafio de fazer meu trabalho abrir caminho através dessas condições de desigualdade na política.


Como deveria ser o Congresso do bicentenário?

Para os homens o 2021 é o bicentenário. Para as mulheres não, porque votam faz pouco mais de 60 anos. Para as pessoas trans não, porque nem sequer temos a cidadania garantida. Por isso é importante o Congresso: temos que devolver a cidadania para as pessoas.


Existem partidos que estão propondo adiar as eleições por causa da crise sanitária. Você está de acordo?

As eleições têm uma data e isso precisa ser feito. Temos também que redobrar os esforços para combater esta pandemia. Temos que levar a sério a segunda onda, claro! Mas não acredito que adiar as eleições seja uma opção.


Você se vacinaria contra a Covid-19?

Claro que sim. Sobretudo por amor às pessoas, por cuidar da cidadania.


[1] É uma coalizão política da esquerda peruana legalmente escrita como partido e fundada em 2017. [2] Relembre o caso: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/01/26/apos-presidente-fechar-congresso-peru-tem-eleicoes-para-escolher-novos-parlamentares.ghtml [3] Psicóloga, antropóloga, professora e política peruana. Congressista da República do Peru no período de 2011 a 2016, representando a região de Cuzco, foi candidata à presidência do Peru pela coalizão Frente Ampla, em 2016, quando obteve a terceira colocação. [4] Um programa com o objetivo de incentivar a participação e a liderança entre jovens. Ver: http://www.congreso.gob.pe/participacion/parlamentojoven/participacion/ [5] Partido político peruano de esquerda. Ver: https://nuevoperu.pe/nosotros [6] Partido político peruano de esquerda. Ver: http://perulibre.pe [7] http://perulibre.pe/vladimir-cerron-rojas/ [8] Entenda um pouco desta questão: https://rpp.pe/peru/actualidad/veronika-mendoza-nuevo-peru-tres-claves-para-entender-la-polemica-por-alianza-con-peru-libre-y-juntos-por-el-peru-vladimir-cerron-yehude-simon-noticia-1226709 [9] Lei aprovada de maneira controversa no Congresso peruano no contexto da destituição de Vizcarra que exime os policiais de responsabilidade ao atirar contra a população. Ver: https://www.pagina12.com.ar/257356-peru-legaliza-la-impunidad [10] A Unidade de Inteligência Tática Operacional Urbana da Polícia Nacional, mais conhecida como Grupo Terna, é uma unidade especializada da Divisão de Operações Especiais "Esquadrão Verde" da Polícia Nacional do Peru. Vestidos como civis são infiltrados em áreas consideradas criminosas e intervêm no flagrante do crime utilizando inteligência tática operacional. Durante os protestos contra o governo de Manuel Merino em novembro de 2020, houve alegações de más práticas policiais devido à infiltração da polícia do Grupo Terna entre os manifestantes. Ver: https://www.radiocutivalu.org/cnddhh-alerta-malas-practicas-policiales-en-las-protestas-ciudadanas/

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