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Ensaio: A memória da Guerra de Biafra a partir das personagens femininas de “Meio Sol Amarelo”

Atualizado: 22 de fev. de 2021


AQUELAS QUE RECORDAM

A construção da memória da Guerra de Biafra a partir das personagens femininas do romance “Meio Sol Amarelo”, de Chimamanda N. Adichie (2008)


Amanda Ribeiro dos Santos*


RESUMO: Este artigo busca identificar e analisar como Adichie, através das personagens femininas de seu romance "Meio Sol Amarelo", estabelece uma memória da Guerra de Biafra, que assolou a Nigéria entre os anos de 1967 e 1970, e como essa memória se relaciona com os aspectos estruturantes de uma nação. Pretende-se apreender, ainda, o modo como se dá a alteridade entre os biafrenses e os Hauçás do norte, pois, acreditamos que o reconhecimento do outro pode ser transformado durante uma situação de guerra. Para tanto, utiliza-se os conceitos de memória e, para estabelecer um diálogo entre nação e literatura, recorre-se a Kwame Appiah.


Palavras-chave: Literatura – Guerra de Biafra – Meio Sol Amarelo – Memória Introdução



Introdução


A República de Biafra existiu no sudeste da Nigéria entre os anos de 1967 e 1970 durante a guerra de secessão, responsável por deixar milhares de mortos e uma experiência lembrada vividamente até os dias atuais; seja por meio das imagens marcadamente chocantes da fome veiculadas pela mídia internacional, seja pela própria literatura nigeriana. De todo modo, um fator significativo é a divisão política daquilo que já se encontrava fragmentado entre igbos, iorubá e hauçá-fula. [1]


Além dos estudos sobre a Guerra de Biafra feitos por historiadores, antropólogos e sociólogos, não podemos ignorar os autores nigerianos de ficção que fizeram da guerra seu plano de fundo para desenvolver histórias e fazer com que mais pessoas se familiarizassem com aquilo que marcou a história de um país. Chimamanda Ngozi Adichie é uma desses autores. A escritora nigeriana ganhou destaque, primeiro, quando em 2003 publicou o livro “Purple Hibiscus” (Hibisco Roxo, Cia das Letras, 2008) e mais tarde, em 2007, quando seu livro Half of a Yellow Sun (Meio Sol Amarelo, Cia das Letras, 2008), publicado em 2006, ganhou o Orange Prize em 2007, na categoria de ficção. Logo, nos faz interessante a abordagem deste segundo livro devido sua notória contribuição em estabelecer uma memória social da Guerra de Biafra através de uma perspectiva doméstica dos personagens.

Contudo, é fundamental que se faça a contextualização do período no qual a narrativa do livro está inserida, para que possamos assimilar, de maneira mais completa, toda ambientação do romance e as questões que dela podem provir.

A Nigéria pós-colonial

É preciso compreender, inicialmente, a conjuntura política e social nigeriana nos anos 60 e 70. A Nigéria fica localizada na África ocidental onde vivem, majoritariamente, três povos: igbos e iorubás ao sul e hauçás ao norte.


A colonização britânica, através do sistema de governo indireto, cujo funcionamento exigia a denominação de chefias locais para os cargos mais altos na máquina burocrática da colônia, privilegiava o povo hauçá-fula, de maioria muçulmana. Ao sul, sobrava para as elites locais apenas subchefias, respondendo ao norte nigeriano e à Grã-Bretanha. Este tipo de manifestação colonial criou uma tensão entre as elites do sul e as elites do norte, preferidas aos olhos do colonizador.

O período pós segunda Guerra Mundial foi marcado por negociações da Nigéria com a metrópole, visando a independência. Foram promulgadas três constituições: em 1947, 1951 e 1956. A primeira unia os povos em uma nação e a última foi resultado do fortalecimento dos partidos responsáveis por pressionar a metrópole (CHAN, 2017. p. 11).

Em 1960, quando a Nigéria se encontrava, finalmente, independente, o governo central do país ficou a cargo dos partidos do norte comandando três regiões autônomas, com notáveis fragmentações.


Contudo, os problemas das novas nações africanas começavam pela falta de conhecimento administrativo: as nações anglófonas passaram todo tempo colonial recebendo ordens e se mantendo em uma espécie de protetorado britânico, enquanto isso, as colônias francesas eram arrebatadas pela forma de governo colonial de assimilação; os francófonos deviam aprender a viver como franceses e a colônia se tornaria uma extensão da França (COQUERY-VIDROVITCH; MONIOT. 1985). Esta particularidade, aliada ao fato de que a maior parte das Nações francófonas aceitaram que a França continuasse supervisionando-as após a independência, fez com essas nações se tornassem mais estáveis.


Todos esses elementos, em 1964, aliados à descoberta de fraude nas últimas eleições, privilegiando o partido do Congresso do Povo do Norte (CPN), culminaram em organizações de motim, saques, depredações e assassinatos. O governo pouco fez para intervir e em janeiro de 1966, o primeiro golpe aconteceu: soldados e oficiais de alta patente mataram o governador Samuel Ladoke Akintola, o líder do norte, Ahmadu Bello e o primeiro-ministro central Abubakar Tafawa Balewa. Quem subiu ao poder, então, foi o major-general AguiyiIronsi, que promulgou uma nova constituição na qual mudava a forma de governo da Nigéria de Federação para República, o que resultava em um poder central mais forte que os poderes regionais. (CHAN, 2017), criando mais tensões.


Um novo golpe ocorreu em 29 de julho de 1966, após os massacres iniciados em Kano, e o tenente-coronel Yakubu Gowon assumiu o poder. Corria entre a população, nos dias anteriores, boatos de que o norte estava cogitando a secessão, porém, Gowon manifestou uma postura diferente: pregou a unificação dos povos. Atitude meramente política devido à economia da Nigéria ser, em grande parte, vinda da exportação de petróleo, localizado no sul. (CHAN, 2017).


A partir de então, uma série de massacres, mais agressivos que os anteriores, começaram a atingir o norte, perseguindo e matando milhares de igbos. O fato do governo não ter impedido os ataques que aconteceram por dias, fez com que uma grande quantidade de igbos fugisse para o sul, inchando a região que, sem estruturas para tamanho aumento demográfico, entrou em crise. Os igbos, já revoltados com o genocídio em massa, se encontravam, agora, sem trabalho, sem escola e sem comida.


Em 1967, após tentativas frustradas de acordo entre Gowon e o líder do representativo dos igbos, Ojukwu, e pressão populacional pela secessão, Ojukwu declarou a independência da região leste (CHAN, 2017). Nascia assim, a República de Biafra.


A guerra civil foi inevitável e tomou grandes proporções. A França deu apoio à Biafra enquanto a Inglaterra apoiava a Nigéria (CHAN, 2017. p. 19). A nova república foi reconhecida por vários países e, as grandes potências ou não intervieram em razão de alianças como é o caso dos Estados Unidos, ou intervieram para contrapor seus opostos como a China ajudando os biafrenses porque a União Soviética estava do lado nigeriano.


Os três anos de guerra resultaram em milhões de mortes, a maior parte em detrimento da fome, fator que fez com que o Vaticano, a Cruz Vermelha e o Conselho Mundial de Igrejas também se envolvessem (CHAN, 2017 p. 6) fazendo com que a Guerra de Biafra se tornasse, assim, um dos maiores projetos humanitários mundiais.


Conhecendo o Meio Sol Amarelo


É este o clima de tensão política em que Chimamanda Adichie desenvolve seu romance. "Meio Sol Amarelo" está dividido em quatro partes, sendo a primeira e terceira parte relacionada ao início dos anos 60 e a segunda e quarta parte relativas ao fim dos anos 60. Sua escrita narrativa é contada a partir de três personagens interligados, de alguma forma, à figura de Odenigbo, o professor de matemática da Universidade de Nsukka com espírito revolucionário, que são: Olanna, professora universitária, de família rica e influente, educada em Londres e namorada de Odenigbo; Ugwu, jovem de uma pequena aldeia e empregado do professor; e Richard, britânico e jornalista desempregado que vai à Nigéria para conhecer a arte Igbo-Ukwu, e se apaixona pela irmã de Olanna, Kainene.


O livro se desenvolve pela representação de como esse grupo de pessoas consegue sobreviver à situação de guerra ao mesmo tempo em que tentavam seguir com suas vidas individualmente. Durante a guerra, se veem obrigados a migrar para outras cidades, construir bunkers para se esconderem de ataques aéreos, perdem amigos e familiares, mas, contudo, mantêm a esperança na vitória de Biafra.


A autora nigeriana consegue imprimir tanto a paz inicial marcada por longas reuniões festivas e debates políticos acalorados na casa de Odenigbo quanto o desespero e o medo que arrebatam as personagens durante a guerra. Apesar de Adichie abordar, com precisão, casos de estupros, doenças, fome, corrupção, alienação, traições e desejos, o que gostaria de discutir, aqui, parte da forma como estes personagens viram Biafra, incorporaram Biafra e como Chimamanda estabeleceu, através do livro, não apenas uma memória da guerra de Biafra como também fez um paralelo entre memória, nação e literatura dentro da história – quando acontece o ensino da história da república recém-criada, e fora da história – sua obra hoje tem repercussão mundial e, inegavelmente, consegue criar uma nova memória da Guerra naqueles que, por tanto tempo, acreditaram apenas nas imagens de fome.


As personagens femininas e a construção da memória


Em 2009, durante a Conferência Anual Ted Global, Chimamanda Adichie realizou uma palestra com o seguinte tema: "O perigo de uma história única" fazendo reflexões sobre a maneira que o continente africano é visto pelo Ocidente como um grande bloco homogêneo e como essa memória fabricada acabou gerando estereótipos e preconceitos.


Esse pensamento de uma história única é capaz de estabelecer questões na historiografia intensivamente complexas, como é o caso da própria literatura africana que possui especificidades devido o colonialismo. Kwame Appiah (1997) critica o modo como a literatura tem estudado a produção de conhecimento africana e que, muitas vezes, essa análise tende a estabelecer contrastes antropológicos, ponderando, inclusive, se a teoria literária atende às tradições específicas ou se, mesmo quando estão relacionadas à tradição literária encarada como “mundial”, não se manteriam na teoria literária de tradição europeia.


Outro elemento para ser discutido quanto à análise da literatura africana diz respeito à linguagem, pois, a língua utilizada na escrita da literatura africana será, majoritariamente, a língua do colonizador, até porque, é esta a língua que atingirá maior público, logo, a prática analítica e a produção entram um paradoxo. (APPIAH, 1997).


A língua, no entanto, constitui apenas um dos pormenores, em virtude da cultura do colonizador: o colonizado é imposto à cultura colonizadora e acaba refletindo esta cultura em sua literatura (APPIAH, 1997, p. 87), deste modo, quando um autor africano escreve sobre sua vivência pessoal, ele quebra essa prática ao expor para um leitor não africano, uma nova visão, agora genuinamente africana, e veicula, para o leitor africano, a possibilidade de inventividade negra.


Colocadas todas essas peculiaridades, consideremos a correlação entre nação e literatura, na qual, uma contribui com a consolidação da outra. Uma das primeiras medidas tomadas para engendrar um nacionalismo se escora nos recursos literários. Um dos usos desse recurso se dá por meio da educação escolar, responsável por formar um cidadão consciente de sua nacionalidade e disposto a defendê-la a todo custo, uma vez que,


o papel da escola colonial (e, infelizmente, da pós-colonial) na reprodução da hegemonia cultural do Ocidente é crucial para a crítica africana, em virtude da estreita ligação entre a ideia da crítica e o aumento da pedagogia literária, pois o papel da literatura, ou, a rigor, a formação do conceito, da instituição da "literatura", é indissociável da pedagogia. (APPIAH, 1997.p. 87-88)


Assim, posto que a escola é uma ferramenta importante na constituição da literatura que vai se dedicar à inventar o sentimento nacionalista da nação e, concomitantemente, produz uma memória nacional, podemos refletir sobre a contribuição de Olanna na gênese nacionalista biafrense.


No romance, a professora universitária perde seu emprego quando estoura a guerra e isso faz com que ela passe a dar aulas para crianças, inicialmente, em escolas infantis e, mais tarde, quando as escolas se transformam em abrigos de refugiados ou centros de treinamento, Olanna monta uma pequena classe no quintal de casa, já em Umuahia, cidade onde ela vai morar depois que Nsukka é tomada pela Nigéria. Junto com ela, lecionariam a professora Muokelu, que trabalhava na última escola fechada na cidade, e Ugwu, designado por Olanna a dar aulas para crianças mais novas. O trecho a seguir apresenta uma fala de Olanna expondo seu planejamento de ensino:


Nós vamos dar aula de matemática, inglês e educação cívica todos os dias”, falou Olanna para Ugwu e para a professora Muokelu um dia antes do início das aulas. “Temos de garantir que, quando a guerra tiver terminado, todos estejam preparados para entrar numa escola regular. Vamos ensiná-los a falar um inglês perfeito, e um ibo perfeito, como Sua Excelência. Vamos ensinar a eles a ter orgulho de nossa grande nação.” (ADICHIE, 2008, p. 340 [grifo nosso]).


O trecho grifado transparece as intenções da personagem em tecer um sentimento de pertencimento à República de Biafra. Portanto, ao ensinar às crianças a educação cívica, Olanna estaria formando também uma nacionalidade biafrense e estabelecendo uma memória coletiva da guerra como acontecimento fundamental para a instauração de Biafra.


Cabe-nos pensar, agora, o conceito de memória como uma construção seletiva, tendo em vista que a memória


nunca será mero registro, pois é uma representação afectiva, ou melhor, uma representificação, feita a partir do presente e dentro da tensão tridimensional do tempo. E, nesta, o futuro é ligado ao passado por um fio totalizador e teleológico. Isto é, toda recordação tende a objectivar-se numa narrativa coerente que, em retrospectiva, domestica o aleatório, o casual, os efeitos perversos do real-passado quando este foi presente, actuando como se, no caminho, não existissem buracos negros deixados pelo esquecimento. (CATROGA, 2001. p. 46)


Em função disso, a construção da memória requer ainda os a presença dos ritos de recordação, encarregados também da formação da identidade. Logo, são estes ritos provindos dos rastros dos acontecimentos que irão legitimar a memória, proporcionando a edificação da memória coletiva (CATROGA, 2001).


Assim, podemos observar a construção da memória em dois trechos do livro de Chimamanda Adichie cuja análise farei a seguir.


Em certa altura da guerra, Olanna, Odenigbo, Baby (a criança filha do casal) e Ugwu, se encontram em situação de refugiados e vão se abrigar na casa recém-comprada de Kainene em Orlu, onde ela mantinha um centro de ajuda comunitário para refugiados nas proximidades da casa. Vejamos o trecho abaixo:


O harmatão que soprava forte enchia tudo de poeira, e Baby se juntava às crianças que corriam em volta, de barriga nua entrelaçada de marrom. Muitas colecionavam estilhaços, brincavam com eles. Quando Baby voltou com dois pedaços de metal pontudo, Olanna gritou com ela, puxou-lhe a orelha e jogou fora os estilhaços. Detestava pensar em Baby brincando com restos de coisas que matavam. Porém Kainene pediu que ela devolvesse os estilhaços a Baby. E deu-lhe uma lata para guardá-los. Também pediu à menina que se juntasse às crianças mais velhas, que faziam armadilha para os lagartos, que aprendesse a trançar folhas de palmeira e pusesse casulos cheios de formigas iddo lá dentro.Kainene deixou Baby segurar o facão de um homem emaciado que desfilava pelo compound resmungando: “Ngwa, que venham os vândalos, que eles venham todos”. Kainene deixou Baby comer uma perna de lagarto. (ADICHIE, 2008, p. 448-449)


Essa ideia de guardar estilhaços remete-nos muito à concepção de vestígios de memória ou, como bem colocou Paul Ricoeur, discutindo sobre memória e esquecimento, tratando sobre a presença, a ausência e a anterioridade, como “a imagem-recordação [que] está presente no espírito como alguma coisa que já não está lá, mas esteve” (RICOEUR, 2003. p. 02). Deste modo, é como se Kainene tentasse, a partir da ação de guardar os estilhaços, ressignificá-los e indicar a presença da guerra na ausência da guerra. Os estilhaços seriam como um lugar de memória.


O trecho acima traz consigo mais uma particularidade ao citar uma frase dita pelo homem: “Ngwa[2] , que venham os vândalos, que eles venham todos”. Tal sentença indica um fator de alteridade que é visto em mais pontos do romance, como quando a Srª Ezeka, esposa de um dos amigos de Odenigbo que durante a guerra ganhou cargo de importância no exército, diz à Olanna depois de lhe mostrar, com orgulho, o bunker de cimento [3] construído no quintal de sua casa grande e sumptuosa: “Imagine no que esses vândalos nos reduziram. Pâmela e eu às vezes dormimos aqui, quando os bombardeios são demais”, disse a sra. Ezeka. “Mas havemos de sobreviver.” (ADICHIE, 2008, p. 397).


Essa mentalidade de perceber o outro como vândalo, de que o outro é quem pratica o mal, pode ser relacionada com o conceito de Valentin-Yves Mudimbe (2013) do Mesmo e do Outro onde as características são vistas como um oposto ao outro ou o Mesmo que busca semelhanças próprias no Outro. Contudo, o reconhecimento do Outro só se torna possível mediante essa comparação. Em outras palavras, temos a perspectiva, através do romance, apenas dos biafrenses e estes são o “Mesmo” e eles percebem nos nigerianos nortistas o “Outro”. Assim, os biafrenses só reconhecem os nortistas através dessa comparação em busca de semelhanças. Portanto, ao chamar os nortistas de vândalos, eles - os biafrenses estão à procura de discernir o que, possivelmente, eles têm em comum e, no momento em que, teoricamente, não encontram, denominam o Outro de maneira pejorativa. Ainda assim, o exército de Biafra aparece no livro como igualmente truculento, repressivo, estuprador e saqueador.


Considerações finais


O diálogo entre a História e Literatura, embora seja de grande contribuição para a produção de conhecimento, muitas vezes tende a se distanciar, forçosamente. No caso africano, que abordagens clássicas europeias não são suficientes, recorrer a outras áreas disciplinares para compreender a História da África se faz essencial.


Aqui, Chimamanda Adichie colaborou para um novo estudo sobre a memória da guerra de Biafra e conseguimos perceber aspectos políticos e sociais que eram mascarados pela imagem da fome e da miséria extrema. A partir de Kainene e Olanna, principalmente, Adichie estabeleceu um paralelo entre a formação de uma nova nação e os elementos necessários para a criação de um nacionalismo biafrense e a memória nacional.


Ainda que o foco deste trabalho tenha sido apenas levantar questões sobre a memória, é igualmente relevante aprofundar outros aspectos do romance como, por exemplo, o que foi superficialmente tratado aqui, o problema da alteridade entre os personagens; se pode fazer um estudo sobre como os personagens igbos enxergavam os hauçás na primeira parte do livro e como essa imagem foi se transformando à medida que se desenrola a guerra.


Contudo, não devemos deixar de pensar que o livro não apenas produz uma nova história, quebrando a história única do qual vem o alerta de Adichie, como também rememora e honra a vida de todos que morreram reivindicando melhores condições de vida na Guerra de Biafra.


*Amanda Ribeiro dos Santos cursa a graduação em História na UFMG. Pesquisa na área de História da África pós-colonial com ênfase na literatura nigeriana, em especial as obras de Chimamanda Ngozi Adichie.


Notas:


[1] O termo pode ser visto na bibliografia como “hausa-fulani”, “hauçá” ou “hausa-fula”. A escolha de utilizar, neste trabalho, a grafia “hauçá” / “hauçá-fula” se deu em razão de ser o mesmo usado na tradução de “Meio Sol Amarelo”.


[2] Clã” Igbo que vive no sudeste da Nigéria.


[3] No romance, todos os bunkers não passavam de buracos sujos e mal-acabados no chão e com alguma cobertura com folhas. Um bunker de alvenaria era artigo de luxo.



Referências Bibliográficas


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MUDIMBE, Valentin-Yves. A invenção de África. Mangualde/Luanda: Edições Pedago/Edições Mulemba, 2013. NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, v. 10, p. 7-28, dez. 1993.


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