TODA MULHER JÁ FOI ASSEDIADA!
A Cartas ao espelho objetiva relatar e publicar casos de machismo e misoginia que permeiam as relações pessoais, afetivas e profissionais de mulheres. Caso queira enviar algum relato, contate-nos. Partimos de casos que vivenciamos - direta ou indiretamente. Procuramos, ao máximo, preservar a identidade das pessoas envolvidas. Por isso, optamos por usar o formato da correspondência pessoal, a fim de manter o tom de intimidade com o qual muitas vezes nos descobrimos e relatamos essas situações entre nós. Assinando anonimamente as cartas, escolhemos usar como pseudônimos os nomes de duas historiadoras brasileiras conhecidas pelos casos de misoginia perpetrados contra elas: Beatriz, mulher negra, foi morta por meter a colher em briga de marido e mulher; e Alice, cuja banca para professora catedrática faz parte da história da historiografia brasileira. Nossas postagens serão mensais e garantimos o anonimato na produção dos relatos. Caso queira enviar algum relato, por favor, envie um e-mail para: cartas.ao.espelho.mfm@gmail.com.

Diante dos últimos acontecimentos envolvendo denúncias de assédios sexuais, a Revista Mulheres do Fim do Mundo preparou uma edição especial da coluna Cartas ao espelho para o nosso número de dezembro de 2020. Assim, a nossa coluna trouxe 13 relatos, anônimos, de assédios vivenciados por várias mulheres. Os depoimentos divulgados nos foram por algumas leitoras que utilizaram a # da nossa pequena campanha: #FoiAssedio. Confiram os relatos.
#FoiAssedio quando o meu professor de Química, do ensino médio, propôs que eu ficasse com ele e em troca eu ganharia um aumento na minha nota final na disciplina.
#FoiAssedio quando eu estava andando na rua e fui perseguida por um homem dirigindo um carro lentamente, acompanhando meus passos, enquanto me dirigia palavras obscenas de dentro do carro. Isso tudo em plena luz do dia.
#FoiAssedio Já fui assediada e abusada em tantas instâncias na minha vida que nem sei exatamente qual falar aqui. Desde bem pequena, familiares, médicos, namorados, professores... Triste conhecer essa realidade tão cedo. Mas acho que uma das minhas piores memórias foi de um professor meu. Ele dava minha matéria favorita e dizia que eu era sua aluna favorita. O problema é que esse professor assediava todas as suas alunas e, quanto mais "especial" ela fosse, mais frequentes eram os assédios. Ele nos tocava, nos abraçava por trás, queria ficar sozinho conosco após a aula, todas tínhamos medo dele. Eu tive tanto problema com isso que comecei a ficar mal na matéria para não receber atenção, o que não funcionou. Na verdade, piorou tudo. Por anos, evitei chamar a atenção de professores, por causa desse em questão. E o pior é que, por mais que várias alunas já tivessem sido suas vítimas e algumas até tivessem colhido depoimentos sobre, ele continuou na escola, por anos e anos.
#FoiAssedio Viajando sozinha pelo Uruguai, perdi meu único cartão de banco, sem nenhum peso a mais. Era Natal e de repente batiam à porta desafios de como pagar o que comer... Conversava sobre isso (um pouco desesperada) com um amigo na venda que eu frequentava. Quando o amigo foi embora, ficamos somente eu e o dono da venda, um senhor com seus 60 anos. Ele me pergunta o que vou fazer no natal, se eu gostaria de passar com ele, e se oferece para me emprestar dinheiro ou me dar, pois tinha ouvido o relato da situação vulnerável em que eu estava.
#FoiAssedio Eu mudei de profissão por conta de assédio. Sempre fui secretária, comecei a trabalhar com o meu pai numa empresa estatal e lá mesmo, o chefe dele na época, em um Dia da Secretária me mandou o seguinte discurso “você só passa perrengue por que quer, o que não falta são pessoas querendo te ajudar.” Contado assim pode parecer rotineiro “Ah, pára... só preocupação !” Mas, o tom da voz, o olhar, o jeito. Me dá até nojo lembrar. E o que somos instruídas a fazer? “Faz cara de paisagem...”. Não era paisagem. Durante os 15 anos em que exerci a profissão de secretaria sempre sofri assédio. Durante ou depois de ter trabalhado com esses senhores. Simplesmente horrível. Hoje trabalho com a Educação Infantil. Prefiro lidar com egos do que me sentir acuada.
#FoiAssedio Morando no Rio de Janeiro a maior parte de minha vida, e me deslocando para o trabalho sempre de metrô ou ônibus, perdi a conta de quantas vezes me senti acuada, amedrontada, optando até mesmo por descer do transporte em razão do comportamento de homens que tentavam me tocar ou “esfregar-se” em mim.
#FoiAssedio Tive um namoradinho que, um belo dia, chegando na minha casa pra me buscar pra irmos jantar disse: “Ué… mas você não tá pronta! Vc ainda tá de pijama! Vc vai trocar essa roupa, né?!”. Eu tava com um vestido curto que não tinha NADA de pijama. Me senti péssima e fui trocar de roupa. #FoiAssedio e hoje em dia luto para que cada vez menos mulheres tenham que passar por esse tipo de coisa.
#FoiAssedio Eu tinha uns 13 anos quando, pela primeira vez, saí pelas ruas de Copacabana depois do “show de fogos de artifício” do Ano Novo. Eu estava com meus irmãos, primos e primas. Também foi a 1a vez que vesti uma mini saia. Eu fiquei pra trás do grupo com uma prima mais velha que tinha parado pra comprar bebida e um bando de homens passou pela gente e um deles agarrou minha bunda. #FoiAssedio e o pior é que antes que eu pudesse reagir minha prima me segurou e disse que aquilo era coisa de homem e que eu deveria me acostumar. Só vesti uma mini saia de novo uns 15 anos depois, e ainda assim me senti desconfortável.
#FoiAssedio Eu estava bêbada num bar e pedi desconto numa cerveja. Meio de zoeira, meio no “vai que cola….”. Um cara começou a conversar comigo e me encher o saco se oferecendo pra me pagar a tal cerveja. Na hora eu ri, falei qualquer coisa do tipo “não, tô de boa, tô zoando” e saí, mas foi muito tenso, fiquei muito bolada e o cara ainda foi atrás de mim.
#FoiAssedio No ano de 2014, eu e mais duas amigas brincávamos carnaval na cidade de Olinda/PE. Quando estávamos em um determinado bloco, fui puxada por um homem que me beijou à força. Ele simplesmente me beijou, enfiou a língua dentro da minha boca e saiu.
#FoiAssedio Estava em uma roda de samba no bar no bairro da Lapa,Rio de Janeiro. Estava rolando uma roda de samba nele. Me afastei da mesa que estava e fui ao banheiro. No caminho, um homem esfregou uma latinha de cerveja nas minhas costas enquanto me chamava de “gostosa”.
#FoiAssedio De madrugada, após sair de uma festa, eu e uma amiga pegamos um uber para irmos para casa. Eu fui a última a ser deixada. Durante o percurso da casa da minha amiga até a minha casa, o uber perguntou se eu tinha namorado e passou todo o trajeto dizendo que eu era linda e sexy. No final da corrida, ainda pediu meu número de telefone.
#FoiAssedio Chamei um eletricista para resolver um problema no quadro de energia da minha casa. Ele já havia prestado outros serviços em minha residência. Dessa vez, eu estava recém-separada e recebi o homem sozinha em casa. No final do serviço, ele perguntou pelo meu ex-marido e eu informei que havíamos nos separado. O homem começou a me tecer elogios (dizendo que eu era uma mulher muito bonita e sexy) e disse que, agora que era uma mulher sozinha, eu precisaria de um homem em casa. E acrescentou que, quando eu precisasse de um homem, poderia chamar ele.
Ligue 180
Qualquer assédio contra a mulher pode ser denunciado pelo número 180. A denúncia pode ser feita de forma anônima e é importante fornecer a maior quantidade de informações possíveis, para que haja material suficiente para uma investigação e possível responsabilização do agressor. O fato da denúncia ter sido feita pelo 180 não impede que a vítima vá até uma delegacia fazer um boletim de ocorrência também. A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 é uma política pública essencial para o enfrentamento à violência contra a mulher em âmbito nacional e internacional. Por meio de ligação gratuita e confidencial, esse canal de denúncia funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, no Brasil e em outros 16 (dezesseis) países: Argentina, Bélgica, Espanha, EUA (São Francisco e Boston), França, Guiana Francesa, Holanda, Inglaterra, Itália, Luxemburgo, Noruega, Paraguai, Portugal, Suíça, Uruguai e Venezuela.
Em casos de violência contra crianças e adolescentes a denúncia pode ser feita no conselho tutelar, no Ministério Público e/ou na Delegacia da Infância e da Juventude (se não houver delegacia especializada, busque uma delegacia normal).
Denuncie!