Isabelle C. S. Pires*

As mulheres presas
Entre as mulheres denunciadas ao Tribunal de Segurança, algumas vão defender-se, outras recusam defesa. [...]
A Sra. Armanda Álvaro Alberto, uma das directoras da União Feminina, que tinha ligações com a Aliança Libertadora, declarou que quer defender-se, tendo escolhido para seu advogado o Sr. Ed. Miranda Jordão. Esta causídico apresentou ao juiz a defesa prévia e o rol das testemunhas, tendo sido, também, devolvida a folha de qualificação. (Jornal do Brasil. 24/02/1937 p. 7).
Em julho de 1937, foram julgados/as os/as suspeitos/as de serem os/as responsáveis pelo movimento conhecido como Intentona Comunista de novembro de 1935. Na relação de réus sentenciados, encontramos os nomes das seguintes mulheres: Valentina Leite Barbosa Bastos, Eneida Costa de Morais, Armanda Álvaro Alberto e Maria Morais Werneck de Castro (Jornal do Brasil. 14/07/1937. p. 39). Dentre as acusadas de envolvimento nesse levante comunista, destaco, neste verbete, a figura de Armanda Álvaro Alberto, que mesmo presa desde 1935, não deixou de se dedicar à educação popular, corrigindo na prisão os cadernos com exercícios de seus/suas alunos/as da Escola Regional de Meriti (MIGNOT, 2010. p. 11).
Armanda Álvaro Alberto (1892 – 1974), figura que se destacou no cenário da educação brasileira a partir da década de 1920, foi uma renomada educadora com experiência pedagógica inovadora, defensora da participação da família no ambiente escolar e de uma educação praticada ao ar livre. Teve forte atuação também como defensora da leitura, atuando na construção de bibliotecas populares e infantis e no desenvolvimento de uma política editorial de livros dedicados às crianças. Foi ainda uma altiva militante no movimento feminista, tendo fundado a União Feminina do Brasil.
Nascida no Rio de Janeiro, em 10 de junho de 1882, Armanda era filha de Maria Teixeira da Motta e Silva e Álvaro Alberto Silva. Seu pai era médico com foco nas questões sanitárias e na política da zona rural do Rio de Janeiro, em um contexto de intensas reformas urbanas na cidade. A formação de Armanda se deu no espaço doméstico, sendo ministrada por sua mãe e por professores particulares, só tendo frequentado regularmente uma escola quando tinha 14 anos, ao ingressar no Colégio Jacobina, para participar de um curso de literatura inglesa. Nessa mesma escola, Armanda iniciou suas atividades no magistério, alguns anos depois. Juntamente à educação formal a que teve acesso, ela também foi influenciada pelas discussões políticas e pelas preocupações científicas suscitadas no ambiente em que cresceu (MIGNOT, 2010, pp. 22-23).
Sua atuação como educadora se dava a partir de sua articulação com iniciativas educacionais que ocorriam no Brasil e pelo mundo afora. Em 1915, participara da Liga Contra o Analfabetismo, no Clube Militar, que proporcionara uma série de discussões e propostas sobre a educação brasileira. Ajudou a fundar e atuou ainda na Associação Brasileira de Educação (ABE), criada em 1924, entidade esta que proporcionou debates com educadores de outros países, convidando-os para palestrar e para trocar proposições sobre o tema. Em 1919, acompanhando seu irmão que foi morar em Angra dos Reis, por servir à Marinha, Armanda fundou uma escola ao ar livre para os filhos de pescadores da região. Dando continuidade ao seu projeto de educação popular, em 1921, Armanda inaugurou a Escola Proletária de Merity, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. Na época de sua fundação, a região era uma zona rural constituída unicamente pelo município de Iguaçu. O desmembramento ocorreu baseado na estação ferroviária de Meriti, em que no lado leste foi criado o distrito de Duque de Caxias, em 1931, e que em 1943 se tornou município (BELOCH apud MIGNOT, 1993, p. 625).
A Escola Proletária de Merity, apelidada de “mate com angu” por oferecer merenda aos/às alunos/as, propunha-se a ser um ambiente de pedagogia prática, no qual o interesse partia da criança, subvertendo a prática pedagógica focada na atuação do professor, e não se restringia às paredes da sala de aula, sendo suas atividades exercidas ao ar livre e em contato com a natureza. A escola tinha como base fundamental educar crianças do povo e prepará-las para viver e agir em seu meio e em seu tempo (MIGNOT, 1993, p. 621/623).
Em 1923, a escola teve seu nome alterado para Escola Regional de Meriti, reforçando seu propósito de integração com a localidade. À Armanda interessava que sua escola fosse muito além de um espaço de educação curricular, era sua preocupação também desenvolver atividades que envolvessem a comunidade e proporcionassem a integração das famílias à escola. Nesse sentido, organizou campanhas de saneamento na região através do Círculo de Mães, criado em 1925.
Em 1928, Armanda casou-se com Edgar Süssekind de Mendonça, mas não adotou o sobrenome do marido em sua vida pública. De seu casamento teve um único filho, Álvaro Alberto de Motta e Silva, que veio a se tornar um renomado cientista brasileiro. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Ciência e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e consagrou-se por seus estudos pioneiros no campo da energia nuclear, impactando a política nacional nesta área (MIGNOT, 2010. p. 23).
Ao lado de outras mulheres preocupadas em lutar contra as discriminações de gênero que se expressavam na legislação e defender os interesses das mulheres brasileiras, Armanda criara, em 1935, em meio à efervescência política da época, a União Feminina do Brasil e fora a primeira presidente da entidade. Em virtude da filiação desta associação à Aliança Nacional Libertadora – entidade que agregava partidos políticos, sindicatos, agremiações estudantis e culturais – e da integração na Frente Única Antifascista, Getúlio Vargas determinou o fechamento da União Feminina no mesmo ano em que fora fundada e, por conta da aproximação com a Frente, que fora acusada de “preparar terreno e ambiente para o advento da Revolução Comunista” Armanda fora presa por envolvimento na Intentona Comunista de 1935. Em julho de 1937, foram julgados/as os/as indiciados/as neste caso. Armanda foi uma dos 35 absolvidos nesse julgamento, que condenou 26 corréus do processo. Nesse contexto, a Escola Regional de Meriti representou uma forma de continuar influenciando o mundo, mas no âmbito local.
Armanda despediu-se de sua escola, em 1964, quando a transferiu para o Instituto Central do Povo, após tentativa não exitosa de repassá-la para o governo do Estado. Com a transferência, a escola sofreu mais uma mudança de nome por solicitação da educadora, passando a se chamar Escola Dr. Álvaro Alberto, em homenagem a seu pai. Armanda Álvaro Alberto faleceu em 5 de fevereiro de 1974 na cidade do Rio de Janeiro.
* Doutoranda em História Social pelo PPGHIS/UFRJ. Bolsista CAPES. Mestre em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC/ FGV. Graduada em História pela UFRRJ.
Referências do texto
A educadora Armanda Álvaro Alberto. TV Brasil. 29/03/2011. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=M2F80cjvwfw Acesso em: 01/07/2020.
MATOS, M Izilda S. Maria Prestes Maia: trajetória de vida e lutas. Revista Brasileira de pesquisa (auto)biográfica, v. 3, p. 187-202, 2018.
MIGNOT, Ana Crystina Venancio. Armanda Álvaro Alberto. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana. 2010.
__________. Decifrando o Recado do Nome: uma Escola em busca de sua Identidade Pedagógica. R. bras. Est. pedag., Brasília, v.74, n.l78, p.619-638, set./dez. 1993.
No Tribunal de Segurança Nacional. Jornal do Brasil. 14/07/1937. p. 39.
O processo crime dos acusados comunistas. Jornal do Brasil. 24/02/1937. p. 7.
Referências da imagem
Núcleo de Estudos Visuais em Periferias Urbanas (NuVISU) / D´ÂNGELO, Helô. Revolucionária da educação, Armanda Álvaro Alberto é tema de documentário biográfico. Revista Cult. 31 de mai. de 2017.
Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/revolucionaria-da-educacao-armanda-alvaro-alberto-e-tema-de-documentario-biografico/Acesso em: 08 de jul. de 2020.